sexta-feira, 22 de março de 2019

TODO MUNDO AMA (OU ODEIA!) CAETANO VELOSO

O maior nome da Música Popular Brasileira definitivamente é Belchior: Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenele Fernandes. Até ai tudo bem. Ganhou a taça. Mas se pararmos para analisar, pensar bem,  Caetano Veloso bate na trave, ou melhor, quase empata com o cearense. Filho de Santo Amaro da Purificação, Bahia, além de ter também um dos nomes mais extensos de nossa MPB, (Caetano Emanuel Viana Telles Veloso), o filho de Dona Canô é talvez o mais chato, o mais amado, o mais odiado, o mais polêmico, o mais endeusado, o mais tudo. O mais danado também.
Caetano foi o primeiro artista brasileiro a ter coragem de andar pelas ruas e fazer shows de vestido, mostrando, há quase 50 anos, seu lado bem feminino. Nos festivais da TV Record cantou música brasileira acompanhado de um grupo argentino de rock à base de guitarras, indo contra tudo e contra todos, até um grupo de músicos e artistas -inclusive seu amigo Gilberto Gil- que foi às ruas protestando contra a guitarra elétrica que estava sendo introduzida na Música Brasileira.
Em 1968, com Gil, Mutantes, Tom Zé, maestro Rogério Duprat, liderou um movimento musical/político/cultural chamado Tropicália, fazendo fazendo na oportunidade um famoso manifesto quando recebeu vaias em um festival.
Nesse período, final dos anos 60, exilou-se em Londres, onde fez shows com hippies, undergrounds, grupos mambembes de rua, gravou em inglês, mostrou toda sua insatisfação por estar fora de seu país, fazendo uma verdadeira geleia geral de sua vida ao lado de amigos e de sua mulher na época, a atriz Dedé Gadelha. Depois de muitas conversas, acertos com os militares,  conseguiu voltar para o Brasil. Estava, como disse em entrevista da época, que estava morrendo de saudades do Brasil.
De volta ao Brasil Caetano não ficou um bichinho manso, ou seja, o leãozinho de sua música. Voltou a ser o mesmo inquieto, o polêmico de sempre, mostrando em seus discos letras românticas, apaixonadas, críticas, algumas metafóricas mas sempre com algo mais para deixar seus amantes e inimigos prontos para abrir o escarcéu de discussões envolvendo seu nome.
Mas no período, Caetano, temos que ser honestos em reconhecer, continuou o incansável em sua performance como artista. Através de letras e músicas criativas e emocionantes, mostrava uma poesia moderna e ao mesmo tempo cheia de sutileza e sensibilidade, em algumas rasgava seda com afeto por dois grandes amigos, Roberto Carlos e Gilberto Gil. Enquanto anunciava sua separação de Dedé, voltou os olhos para sua outra grande paixão, o Cinema, e investiu de com força na literatura. Comprava brigas pessoais por seu excesso de baianidade e seu visível fascínio por João Gilberto e Dorival Caymi.   Discutia através da Imprensa com grupos  que cobravam posições políticas sua.
Deixava claro que, como colocou em uma música sua, "gente nasceu pra brilhar", e era isso que ele queria: se mostrar, queria ser estrela, sempre.
Namorava a esquerda e flertava com o centro direita. No meio do caminho, a fogueira das vaidades aparecia e ele  soltava a sua inflamante verborragia e anunciava sua decepção com todos os políticos  e com tudo. Ao mesmo tempo em que abraçava Fernando Henrique e dizia que não votaria em Lula., contrariava amigos, mas dizia que uma coisa não óde ser comparada a outra. Era seu lado anarquista que ele apresentava à mídia. Mas voltava sempre atrás em suas posições quando surgia um fato e ele achava que poderia faturar em torno de imagem.
Os mais chegados não estranhavam o filho de Dona Canô. "Caetano sempre foi assim. Nunca deixou de procurar a mídia para si", diziam os inimigos mais íntimos.
Quando produziu e fez um disco cantando só sucessos latinos, recebeu críticas positivas e muito mais negativas, já que parte da crítica  disse que ele estava sofrendo de falta de inspiração. Tascava na hora uma resposta e se jogava com um sucesso no carnaval baiano ou uma música de Orlando Silva.
Mas Caetano, na verdade, sempre foi essa pessoa mesmo como os mais íntimos falavam. Gostava de expor sua genialidade e suas diabruras. 
Lançou artistas: Maria Gadu,  Carlinhos Brown e no meio do caminho se apaixonou por uma fã, uma garota de menor idade, com quem depois casou e teve um filho. Fechou shows pelo mundo, e nos EUA recebeu visitas no camarim de grandes nomes da música americana, que o reverenciaram. Fez músicas para filmes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, de quem tornou-se grande amigo e recebeu elogios emocionantes.
Em um filme documentário sobre sua vida e sua arte, respondeu sorrindo sarcasticamente a um comentário do múltiplo artista Hermeto Paschoal que haveria dito em uma entrevista que "Caetano era um excelente letrista e compositor, mas um péssimo músico". A respostas jocosa: "Obrigado grande Hermeto. Partindo de você  tudo é válido". Depois, em uma música em que fala de  Ray Charles, Steve Wonder e Cole Porter,  diz que "o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem".
Esse é Caetano. Um artista cheio de versatilidade. Um intelectual das artes brasileiras. Amado, odiado, mas com um talento maravilhoso. Um homem, já um senhor, um mito real, que prestes a comemorar 77 anos continua na mídia, falando, cantando só ou ao lado dos três filhos. Fazendo das suas, pulando carnaval na Bahia em seu trio e no dos amigos. Um ser diferenciado, incansável. Um poeta de seu tempo. Um danado. Ou mesmo, como diria aquele meu grande amigo:
"Caetano é doido".