sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

LINDINHA, A GATA ENCANTADA

Júnior nunca demonstrara ser um apaixonado por animais. Tudo bem que quando ouvia histórias de cachorros, gatos e outros animais domésticos, ria e batia sempre uma certa curiosidade em ter um bichinho para ver como era criar um animal. Às vezes ele ajudava uma amiga ou amigo quando precisavam ir ao veterinário. E só.  Seu temor maior era porque como sempre residiu em apartamento, pensava duas vezes quando lhe ofereciam um para criar.
Foi Ana, uma amiga sua, namorada de Carlos, quem praticamente o obrigou a ficar com uma gatinha mestiça de siamês com vira lata, marrom e branca, que aparecera perto de sua casa.
-Fica com ela Júnior. A coitada vive na rua sendo perseguida por cachorros e gatos maiores. É novinha, tem poucos meses de vida, não tem nem um ano e parece já estar gestante, a mamãe que falou. Faz essa caridade com esse pobre animal! -implorou Natália ao amigo.
-Impossível, mana. Lá em casa não tem nem local pra ela ficar. Moro com meus pais em apartamento, e tem três quartos: um meu, outro do meu irmão e um dos meus pais. Não dá pra ela ficar em nenhum deles, né? -respondeu Júnior, deixando claro que enfrentaria uma situação difícil se pegasse a gata.
Mas, mesmo enfrentando toda essa problemática, Júnior ficou penalizado com a situação da gata. Foi pra casa e imaginou uma situação positiva para a bichana. Imaginava a gata sendo molestada por gatos de rua e até perseguida por cachorros. Chegou a oferecer a amigos, pessoas de seu trabalho, da faculdade, mas ninguém queria.
-Já tenho dois gatos em casa -disse-lhe Clarissa.
-Porra, lá em casa é uma verdadeira creche de animais. Tem passarinho, um gato e um cachorro já com quatro anos. Ainda bem que eles conseguem viver sem brigas -respondeu desconversando  Robson, colega de Júnior da faculdade.
Todos os dias, quando chegava em casa, Júnior tentava falar com seus pais e seu irmão sobre a gata. Procurava um meio de tirar a gatinha da rua, dos perigos que a rua oferece para todos, e para os animais muito mais ainda. 
Pensou até em abrigá-la em seu próprio quarto. Tentaria mantê-la escondida de seus pais, somente para fazer um bem. Pensou várias horas na noite. Mas ao mesmo tempo imaginava nas despesas com veterinário, nos gatinhos que iriam nascer, onde ficariam?  E como ele conseguiria alimentar a gata e a todos os pequenos?

UM LAR PARA A GATA

De tanto pensar, Júnior de repente teve uma ideia: o quarto de empregada, que desde que Anita havia saído estava praticamente sem uso, a não ser como uma despensa. Pensou com seus botões: "a mamãe só usa o quarto que era da Anita para estender roupa.  Ou então para guardar alguma coisa que não se usa. Acho que dá para a gata ficar lá" -raciocinou.
Não pensou duas vezes, decidiu arriscar. Ligou para Natália e pediu pra ela pegar a gata, dá um banho que ele à noite talvez fosse pegá-la. 
Nesse dia Júnior chegou em casa depois das 23 horas. Sua mãe já estava dormindo e seu pai na sala via o final de um filme. Entrou pela porta da cozinha e se dirigiu quase que sorrateiramente para o ex-quarto de empregada. Seu pai estranhou sua demora para aparecer na sala e foi ver o que havia, mas não desconfiou de nada. Viu apenas que Júnior tinha trazido uma caixa. -Que é isso? -perguntou-lhe o pai. -Nada -respondeu Júnior seguro.
Muito cedo, dona Jane, mãe de Júnior, ouviu um barulho esquisito no quarto que servia como despensa, e foi ver. -Que é isso, quem trouxe esse gato pra cá? -perguntou assustada. Como ninguém respondeu ela foi logo com os meninos, Douglas e Júnior. -Mamãe, foi eu que trouxe, mas só por uns dias -se acusou Júnior. -Na segunda feira eu devolvo. É de uma amiga, porque ela está se mudando e não tem como cuidar. Mas me responsabilizo por ela -garantiu.
Júnior saiu logo de casa para providenciar uma caixa para a gata fazer suas necessidades, comprar uma vasilha para por a comida e a água e o principal: ração para o animal, que a partir daquele momento passou a ter uma residência fixa, pelo menos até a palavra final de seus pais.
Nesse dia, a gata passou o tempo todo no quarto. Ninguém ousava chegar perto dela. A fama de ser da rua amedrontava a todos. Menos ao Júnior, que chegava perto, dava comida, deu até banho. A gata não o estranhava, mas com os outros tinha comportamento diferente, olhava muito desconfiada.
Passaram-se os dias e Júnior não falava em levar a gata de volta. A gata, enquanto isso, já começara a andar pela casa. Um sofá, que ficava no quarto de Júnior, foi para o hoje quarto da gata, que ganhou o nome de Lindinha. 
Dona Jane e seu Mário, os pais de Júnior, em poucos dias passaram a sentir um certo afeto pela gatinha. Daí começaram a pensar em ficar definitivamente com a gata. Era notório que Lindinha começava a conquistar a todos da casa.  Desta feita, foi fácil e unânime a decisão da permanência da gata na casa. Até Douglas, irmão mais novo de Júnior, sempre meio arredio,  se pegava sempre brincando com a gata.
Com pouco mais de um mês em sua nova residência, Lindinha ganhou o carinho definitivo de todos.
Quem tem ou já teve um gato ou uma gata de estimação sabe o quanto esses felinos são carinhosos e gostam de também receber muito chamego. indinha é assim: esperneia, se deita, pula, e tem sempre para todos da casa um olhar de amor, de carinho, parece estar sempre pedindo colo, chamego.
Seu Mário, o pai,  sempre foi o mais apegado com gata, que a cada dia demonstrava estar mais perto de ganhar seus filhotes, embora Júnior, definitivamente, era o predileto de Lindinha. Mas foi seu Mário, também, além de ser quem mais se preocupava em colocar a comida da gatinha pela manhã e à noite,  foi quem fez a descoberta que Lindinha não bebia água na vasilha que havia sido comprada especificamente pra isso. -Ela só bebe na torneira, ou seja, só quer água corrente -dizia o pai de Júnior estranhando o comportamento da gata.

LINDINHA, A GATA, E SUAS MANIAS

A realidade é que Lindinha rejeitava e não bebia água de maneira nenhuma na vasilha. Era sempre vista e retirada de um dos banheiros bebendo água na pia.
-Tudo bem, mas no meu quarto eu não quero. Ela pode beber em qualquer pia, mas na do meu banheiro não -deu o veredicto dona Jane. 
Mas Lindinha era teimosa. E apesar de já ficar em cima da mesa, nas cadeiras, no sofá da sala sem ser incomodada,  era sempre retirada de um dos banheiros da casa, do casal ou dos meninos. Ela não queria de maneira nenhuma usar a pia do banheiro do quarto que lhe foi destinado e onde estava sua caixa com a areia para as suas necessidades. Parecia querer marcar terreno, mostrando que tudo na casa era seu.
Lindinha com seu charme encantava a todos. Já sentava com seu Mário no sofá da sala, com dona Jane quando ela ficava zapeando e sempre estava nos braços de Júnior, que era quem mais a paparicava e era também o mais chameguento por parte dela. Douglas era o menos ligado à ela, mas vez por outra  era visto brincando com a gatinha.

NASCIMENTO E MORTE DOS FILHOTES

Com mais ou menos dois meses na casa de Júnior, Lindinha deu a luz a quatro gatinhos.  No outro dia após o nascimento, já amanheceu um morto. Ela não largava os gatinhos, protegia até de olhares,  mas talvez por inexperiência, eles não conseguiam mamar adequadamente. Tanto que três dias depois de nascidos só restava um gatinho. O pequeno era arrastado pela mãe que parecia superproteger entendendo que de seus quatro filhos, só restava um.
Depois de uma semana o gatinho já se arrastava de um lado para outro. Era uma luta para ninguém pisar no minúsculo animal, porque ele se metia em todos os lugares. Só parava quando sua mãe o arrastava para dar de mamar. 
Crescendo, o gatinho observava sua mãe que ficava na varanda do apartamento. Ela  parava, olhava  para baixo, para cima, observando os passarinhos ou outros bichinhos voadores. 
Um dia, o gatinho desapareceu. Quando sentiu falta do filho, Lindinha ficou correndo de um lado para outro procurando o filho. Mas a notícia veio logo depois pelo interfone. Foi o porteiro quem deu  a notícia de que o corpo do pequeno gatinho fora encontrado sem vida. Ele, inocentemente, se jogara do nono andar e morrera.
Lindinha não se cansava de andar perdidamente pelo apartamento.  E estranhava até ao Júnior. Ia para a varanda e olhava lá de cima, parecendo querer se jogar à procura do filho.
Passou vários dias assim. Mas com alguns dias a tristeza passou. A gata voltara a brincar mais com todos.
Poucos meses após perder seus filhos, Lindinha começou  a passar a noite em claro. Chorava, miava quase a noite toda. Ninguém conseguia dormir com o choro da gata.  Júnior consultou a várias pessoas e falaram que ela estava no cio. -Todo cuidado é pouco. Ou dá injeção ou castra -falou sua amiga Clarissa. E foi o que foi feito. Lindinha foi levada a um veterinário que a castrou. A gatinha sofreu vários dias, foi feito curativo, mas enfim Lindinha estava sã e salva, tranquila.

LINDINHA, O XODÓ DE TODOS

Hoje, um ano depois, Lindinha é um membro da família. Todos os dias às seis da manhã ela está na porta do quarto de seu Mário aguardando que ele ponha sua comida e depois abra a torneira para ela beber água. Após estar alimentada e matar a sede, Lindinha fica à espera de que os moradores da casa um a um se levante para pular em cima, querendo carinho. Júnior ainda é o bem amado dela. Simplesmente porque a põe nos braços e libera sua cama pra ela dormir quando ele não está. É cheirosa, presta atenção a tudo e sempre se senta ao lado de quem está vendo TV na sala, principalmente seu Mário.
-É uma criança. Brinca, presta atenção a tudo, reclamava quando não lhe dão atenção, é uma gata encantadora. Aliás, uma gata encantada.
Essa é Lindinha.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

UMA HISTÓRIA DE AMOR

-Onde estou? -Que lugar é esse? -Quem me trouxe aqui? -perguntava Joana assustada sem entender como foi parar naquele lugar, para ela estranho.
-Calma, calma. Está tudo bem, foi eu quem lhe trouxe. Sou o Fernando.
-Quem é você? Por que me trouxe pra cá? -Indagava Joana quase em lágrimas.
-Estávamos em um bar, eu em uma mesa e você estava em outra, sozinha. Já era bastante tarde, o bar estava fechando e você cochilou. Me preocupei e achei melhor trazer você pra minha casa -respondeu Fernando um pouco assustado com a reação da moça.
-Me leve embora, por favor -pediu Joana ao rapaz.
-Ok -respondeu Fernando -e continuou: -Você não quer tomar uma banho?
-Não, não -respondeu Joana apresada.
-Tenha calma. Já que você não quer, vou eu tomar um banho e depois vamos. Se quiser tomar um café, tem pronto. Pode pegar -ofereceu Fernando.
Joana estava abatida. De ressaca e com a cabeça zumbindo. Havia discutido com a mãe na noite anterior e resolveu sair para relaxar. Tomou várias doses de caipirinha, bebida destilada que não tinha costume de beber e não aguentou  Ficou só o bagaço. Embriagada foi ajudada pelo jovem Fernando, que a levou para sua casa.
A casa de Fernando era realmente humilde. Bem diferente da de Joana, um apartamento de três quartos que seu pai, separado de sua mãe já há alguns anos, havia comprado pra família.
-Vamos -chamou Fernando. -Onde você mora? -perguntou.
-No bairro do Marco, mas pode deixar que eu vou só -respondeu. -Queria saber se você usou preservativo comigo, pois não lhe conheço e de repente estou na sua casa, na sua cama...
-Pode ter certeza que não lhe toquei -respondeu Fernando, demonstrando sinceridade.
-Não acredito -respondeu Joana. -Os homens são todos canalhas -garantiu.
-Pois é, acho que eu escapei, pois não lhe toquei de forma alguma. Lhe levei para minha casa para não deixá-la à mercê de bandidos que andam pela noite e como você não estava bem seria alvo fácil. Seu celular está ai e se você tiver dinheiro na bolsa, pode pegar, porque eu nem abri -garantiu o jovem, enquanto saíam do pequeno quarto onde ele residia nos fundos de uma residência na Cremação.
-Te agradeço. É porque sou muito desconfiada, cismada com os homens. Tenho 21 anos e só tenho levado cacetada de pilantras. Pior que briguei com minha mãe,  mas ela está coberta de razão, pois me envolvi mais uma vez com uma pessoa errada -confessou Joana, mais calma.
Os dois caminharam para uma parada de ônibus onde Fernando rumaria para o comércio, onde iria ver umas coisas.
-Vou para minha casa. Mais uma vez te agradeço e queria, se você puder me dar, o seu numero -pediu Joana.
-Olha, tranquilo. Você dá um toque pra eu pegar o seu, ok? -sugeriu o jovem.
Joana foi pra sua casa de cabeça fria, pois tinha certeza que Fernando tinha sido um anjo em sua vida. Imaginou se o rapaz não a tivesse levado pra sua casa teria sido alvo fácil para os bandidos.
-Sim, dona Joana onde a senhora passou a noite? -perguntou sua mãe, dona Ester.  -Mais uma vez
na farra? -completou quase agressivamente a ainda jovem senhora mãe de Fernanda.
Mamãe, deixe eu descansar um pouco. Depois conversaremos -pediu a jovem já um pouco recuperada da noite anterior.
Tinha ido dormir tipo 2 horas da manhã. Dormira bem, mas a ressaca de caipirinha mexeu com sua cabeça que estava pra explodir.
Já era perto das 11 da manhã, ensolarada e bonita de sábado. Joana estava deitada mas dormiu muito pouco. passou a maior parte do tempo acordada, pensativa na discussão que tivera com a mãe e com o porre que tomara. Imaginava que cara bacana tinha sido o Fernando. Por que ele não se aproximara dela, não abusara dela? Será que ainda existem homens assim? -pensava sem parar com seus botoes.
Estava desnorteada. Não sabia bem o que fazer. Tinha brigado com o ultimo ficante, pois o cara não a levava ela a sério e tinha inclusive dado em cima de uma de suas amigas.
Parara de estudar. Tinha trancado a faculdade faltando apenas três semestres para concluir. Já estava parada de estudos há quase um ano. Queria continuar, mas não sabia se era bem isso que queria.
Resolve ligar para sua melhor amiga. -Renata? tudo bem mana?
-Oi Jô. Que houve, com você mana? -perguntou. -Sua mãe me ligou duas vezes, até meia noite de ontem. Onde você se meteu? -insistia Renata
-Tomei um porre, queria ficar só. Fui arar na casa de um carinha aí -respondeu Joana.
-Cruzes! -admirou-se Renata. -E como foi isso? -indagou.
-Nem eu sei. Só sei que o cara me tratou muito bem, não mexeu comigo, me deixou hoje cedo na parada de ônibus e estou intacta, com celular e tudo mais -contou Joana à amiga, que também sorria admirada.
-Vamos sair hoje? -convidou Renata -Queria saber toda a história.
-Não mana. Hoje não -respondeu Joana. -Tenho que ter uma conversa com a mamãe hoje e vou definir minha vida -respondeu a amiga, desconversando.
-Sim Joana, o que foi que houve que você passou a noite fora, não me atendeu no celular... Fiquei como louca, estava dando um tempo pra ir na polícia -perguntou dona Ester, sua mãe.
-Mamãe a sra. não me entende. Estou no maior sufoco e a sra. só cobra de mim -desabafou Joana.
-Eu não lhe entendo, né? Está no sufoco. Engraçado que eu recebo uma pequena ajuda de seu pai e tenho que trabalhar, pagava parte de sua faculdade, você trancou e eu que não lhe entendo! -reclamou dona Ester.
E continuou no sermão: -Que que você quer? Ficar com esses oportunistas que ficam com você lhe usando e abusando e não pensam em nada? -jogou na cara sua mãe. -É isso? -perguntou.
-Mamãe não vamos discutir mais. Vou dar um jeito na minha vida. Já decidi que vou de qualquer maneira arranjar um trabalho, dispensar sua mesada. Quero, se for o caso, arranjar um outro lugar pra ficar -disse Joana decidida.
-Minha filha não é assim -falou mudando o tom dona Ester. O que quero na verdade é que você crie juízo, fique bem, veja com quem se mete e volte a estudar. Acho que já está bom de farra, brincadeira -arrematou dona Ester.
Joana calou-se,  foi para a sala ver TV e pensar no que realmente queria e iria fazer.
Pegu o telefone e ligou para Fernando.
-Oi, quem é? -perguntou Fernando.
-Oi, é Joana. Queria lhe agradecer e dizer que você foi uma pessoa muito legal me levando pra sua casa e me salvando de ser alvo de bandidos. Muito legal mesmo! -agradeceu Joana mais tranquila e com a cabeça menos doida da ressaca matinal.
-Que é isso. jamais poderia deixar você num local daqueles sozinha. Já era mais de uma da manhã e tranquilamente o perigo estava à nossa espreita -garantiu Fernando.
Você mora só? -perguntou Joana -Sim, meus pais são do interior. Trabalho e estudo aqui, por isso moro naquele cafofo que com certeza você não gostou. Só uso mais pra dormir mesmo -respondeu justificando Fernando.
-Vou gravar seu número aqui. Podemos marcar pra nos encontrarmos e batermos um papo.? Até tomar umas, contanto que não sejam tantas como ontem -convidou o rapaz.
-Ok. legal. Não te preocupa que o que aconteceu não vai se repetir. Ontem foi um caso especial. Não costumo beber caipirinha. Gosto mesmo é de uma cerveja  -respondeu Joana aceitando o convite.
Marcaram para o outro dia, à tarde, num bar perto da Doca.
O domingo estava ensolarado, parecendo o dia anterior. A promessa era de um dia bom, dava praia, piscina e passeio ao ar livre. Embora o mês fosse dezembro, não havia sinais de que a chuva aparecesse para atrapalhar qualquer encontro, mesmo que fosse ao ar livre. Fernando na verdade não gostava muito da Doca. Preferia um bar mais periférico, onde pudesse conversar sentindo a brisa do tempo paraense, onde aquele calor dá sempre vontade de beber mais uma gelada. Mas como como a proposta do local foi de Joana e era o primeiro encontro, foi.
-Sinceramente como quando acordei ontem fiquei com medo. Pensei que tinha sido estuprada, abusada, roubada e tudo mais. Jamais imaginei que você não teria feito algo comigo -confessou Joana, agradecida pelo bom comportamento de Fernando.
-Imagina. Sou de uma origem humilde, não tenho maldade -disse Fernando.  -Eu também sou -quase interrompeu Joana.
Os dois conversaram sobre tudo. Casa, família, estudos, amor. Joana contou que trancara a faculdade de Bioquimica que fazia, e estava prestes a terminar. -Estou até pensando em voltar a estudar - falou. Lembrou dos atritos com a mãe e do desejo de trabalhar e morar só.
-Olha Fernando -disse Joana já meio íntima -acho que tenho que dar um jeito na minha vida. Já tenho 21 anos, nunca trabalhei, vivi sempre ás custas de minha mãe, e pior que reclamo muito. Tenho que rever muitas coisas -disse baixando a cabeça Joana.
-Joana eu trabalho desde cedo. Vim pra Belém pra continuar meus estudos. Sou de Tomé-Açu, onde meus pais são pequenos agricultores, me mandam um pouco de dinheiro, mas preciso trabalhar, porque você sabe, a gente bebe um pouco, tem um cinema, e isso eles não podem bancar. mMas estou bem -garantiu o rapaz.
Trocaram alguns carinhos mas em forma de olhares e nas mãos;  nada de beijos e marcaram outro dia.
Na semana seguinte os telefonemas foram muitos. Fernando demonstrava muito interesse por Joana. A moça retribuía, ligando duas ou três vezes ao dia.
-Acho que estou gostando do Fernando, Renata. O cara é uma figura diferente, bom caráter -dizia empolgada Joana à amiga.
-Vai fundo mana. Se o cara é legal e tu se sente bem, vai firme -aconselhava Renata.
A conversa entre Fernando e Joana evoluía e dava um certo ar de avanço entre os dois. Joana já havia até desistido de sair de casa, por ora. Também havia já conversado com a mãe que iria procurar emprego e retornar à faculdade de Bioquímica.
-Minha filha, você tem todo meu apoio. Só não entendo porque você não trás esse rapaz aqui, o Fernando, Queria conhecê-lo. Afinal, você é minha única filha e preciso saber com quem você anda -apoiava e ao mesmo tempo reclamava dona Ester.
-Mamãe vou trazer o Fernando aqui. Mas não pense que ele é rico. É uma pessoa simples, não tem carro como alguns de meus amigos, está estudando, se forma daqui há um ano em Odontologia. Mas é um cara que eu parei nele. Gente do bem -garantia empolgada Joana, sob o olhar incrédulo da mãe.
Joana e Fernando continuaram se encontrando, agora com mais assiduidade. Quase todos os dias o casal estava junto. Fernando aguardava o convite da namorada para ir em sua casa, conhecer dona Ester.
-Será que sua mãe vai gostar de mim, Joana? -questionava Fernando. -Sou um cara simples, do interior, minha família já te falei, é do meio rural, mas são gente de bem -garantia o rapaz.
Foi num sábado, pela manhã, depois dos dois se encontrarem, que Joana convidou Fernando para ir em sua casa. O rapaz estava na maior expectativa, não sabia como começar a falar com a mãe de sua amada.
-Espero não ficar nervoso perante sua mãe. Você diz que ela é rígida -explicava temeroso Fernando para Joana.
-Olha, é mas não é. Uma pessoa que hoje eu vejo como justa, que só quer o meu bem. E você pode ter certeza, é o meu amor  -se declarava romanticamente Joana.
Ao chegarem no apartamento de dona Ester, bem aconchegante, Fernando foi muito bem recebido pela mãe de Joana.
-Olá, Fernando. Muito prazer -cumprimentou dona Ester.
-O prazer é meu, dona Ester, Já a conhecia de nome e de fama. Joana fala muito bem da senhora -respondeu Fernando um pouco nervoso, mas feliz por conhecer a sogra.
Os três sentaram, logo depois almoçaram e depois a conversa continuou. Dona Ester quis saber a cidade natal de Fernando.
-Joana falou que você é de Igarapé-Açu, né? -perguntou dona Ester.
-Não. Sou de Tomé-Açu -corrigiu Fernando.
-Tomé-Açu? mas eu também sou de lá, de Quatro Bocas! -admirou-se dona Ester.
-Minha família mora entre Quatro Bocas e Tomé-Açu, que é a sede -disse admirado Fernando.
Dona Ester ficou paralisada por alguns segundos. Não estava entendendo tanta coincidência. Aquele rapaz parecia ter  alguma coisa de familiar para ela. Pegou um copo de água pra si e ofereceu também para Fernando e para a filha. Enquanto bebia a água, quis saber da família de Fernando.
-Meu pai é um modesto agricultor, planta pimenta do reino e outros culturas em Tomé-Açu e minha mãe do lar -respondeu Fernando, falando também o nome e sobrenome de seu pais.
Dona Ester mudou de cor. Pediu licença e saiu para seu quarto, alegando sentir-se um pouco mal.
O casal ficou sem entender muito o rápido mal estar de dona Ester. Fernando ficou calado. Joana sorriu com o canto da boca, mas resolveu ficar na sala conversando outro assunto com o namorado.
Dona Ester permaneceu em seu quarto pelo restante do dia. A filha saiu com o namorado para um passeio. Preferiram não falar sobre dona Ester, sua surpresa. Mas na verdade, ambos ficaram encucados com a reação da mulher quando ouviu os nomes e sobrenomes dos pais de Fernando.
De volta pra casa, já à noite, Joana se reolheu para seu quarto.
-Mamãe o que houve? por que a sra reagiu daquela maneira quando o Fernando falou o nome da família dele? -indagou meia perplexa Joana no outro dia cedo, quando acordou e sua mãe já estava na mesa à sua espera para o café da manhã.
-Minha filha é uma longa história que eu nem sei se devo contar. Mas sinto que tenho o dever de lhe falar -disse dona Ester.
-Por favor, mamãe. Estou sem entender nada -insistiu Joana.
-Minha filha, a mãe de Fernando, Lia, foi minha colega de infância. E namorou com seu pai antes de nos casarmos. Ela foi inclusive a primeira namorada do Lucas, seu pai, quando ambos tinham mais ou menos 15 anos. Lucas namorou com  a Lia durante uns quatro anos, até que brigaram, acabaram  e poucos meses depois começamos a namorar e com um ano depois nos casamos -contou dona Ester.
-Sim, mas onde é que o Fernando e eu entramos nessa história? isso é passado, é coisa de vocês! -arrematou um pouco irritada Joana.
-Saí de Tomé-Açu para estudar, o Lucas só veio depois de mim. E os comentários da época diziam que Lia ficou grávida e o pai da criança era o Lucas. Se for verdade, o Fernando tem muita chance de ser seu irmão. É uma coincidência novelesca, mas o fato tem que ser apurado, pois a Lia, na verdade teve três filhos. Um deles pode ser seu irmão -enfatizou dona Ester.
-Sim, mas não se sabe a verdade, se a primeira gravidez de dona Lia foi o Fernando e se realmente era filho do papai -argumentou Joana, apesar de demonstrar um pouco de preocupação.
-Não tenho como descobrir. Seu pai não está mais conosco e eu nem sei onde ele mora. Só quem pode falar o que realmente houve e quem é o pai de Fernando ou de um dos outros filhos de Lia é a própria Lia ou seu pai, Lucas, se conseguirmos localizá-lo. Pra mim ele sempre negou -garantiu dona Ester.
Joana saiu de casa encucada com a parafernália que foi a história de sua mãe e seu pai na juventude. Não sabia como conversar com Fernando. Nesse dia rodou pelo comércio e no final da tarde resolveu voltar pra casa. Fernando havia ligado duas vezes, mas ela não atendera. À noite, atendeu à ligação do namorado.
-Oi amor.  Desculpa não ter te atendido. Estava meio grilada e resolvi dar um balão pelo comércio. Mas está tudo legal agora -explicou Joana ao namorado.
-Mas o que houve? Não dá pra conversar agora? -insistiu Fernando.
-Não, amor. Melhor amanhã. Vamos ter mais tempo.
Marcaram para almoçar no dia seguinte. Foram a um pequeno restaurante perto da casa de Fernando.
Joana contou toda a história que a mãe lhe repassara para o namorado, que ouviu atônito. -Mas como pode isso? -indagou Fernando sem entender nada.
-Quer dizer que seu pai namorou com a minha mãe na juventude? mesmo? É isso? Sua mãe tem certeza do que falou? -indagava insistentemente Fernando.
-Olha, ela só não tem certeza se você é filho do meu pai. Isso só quem pode falar é sua mãe -garantiu Joana.
Fernando achou melhor não ligar para sua família. Marcou para irem, os dois, à Tomé-Açu onde conversariam com sua mãe. Mas depois imaginou que o assunto era meio complicado para conversar lá com seu pai presente. Não sabia qual seria a reação dele. Resolveu que chamaria sua mãe, Lia, para vir a Belém. Para isso inventaria alguma coisa, para não adiantar nada sobre o assunto.
E foi o que fez. À noite, de sua casa, ligou para a mãe dizendo que precisava conversar com ela, apresentar-lhe sua namorada. -Sai mais em conta a sra vir aqui, pois a gente indo o custo é bem maior. E a sra me visita, né? -tentou convencer Fernando sua mãe.
Lia aceitou o convite e garantiu que se encontrariam em uma semana. Ela viria resolver alguns assuntos e passaria dois dias com o filho.
-Mamãe essa é Joana, minha namorada -apresentou Fernando à sua mãe, Lia.
-Oi Joana. De minha parte é um prazer.  O Fernando já estava na hora de arranjar uma namorada fixa, certa -comemorou dona Lia.
-Muito feliz de conhecer a senhora. O Fernando fala muito da senhora. Estávamos programando isso já há tempos -completou Joana sorridente.
Conversaram por mais de uma hora. Foram buscar as origens de cada um. Até que chegaram na família de Joana.
-Mas você nasceu em Belém ou em Tomé-Açu? -indagou Lia, depois de Joana dizer que tinha parentes na terra dela.
-Não. de Tomé-Açu é minha mãe e meu pai -respondeu quase suspirando Joana.
-Mesmo? Qual o nome deles? -perguntou Lia.
-Meu pai é Lucas e minha mãe Ester -respondeu Joana.
Dona Lia ficou calada. Depois de alguns segundos perguntou como ia a mãe de Joana.
-Poxa. Como o mundo é pequeno, né? Acho que conheço sua mãe -garantiu Lia. -Como está ela?
-Minha mãe está bem. Meu pai é que não vemos há muito tempo -respondeu Joana.
Dona Lia já imaginou mais ou menos o assunto. Quando Joana falou o nome de Ester e Lucas ela compreendeu o que o filho queria saber. E foi logo adiantando:
-Meu filho pode ter certeza que você não é irmão de Joana. Os boatos e mexericos da época sobre o filho que poderia ter sido de Lucas, infelizmente recaíram sobre minha primeira gravidez, que é sua irmã Patricia, que pode ter certeza é filha também de seu pai, Jonas. Realmente, o meu envolvimento com Lucas foi muito grande, quase cinco anos. Mas os boatos não tinham fundamento, eram só fofocas sobre minha primeira gravidez.  Lucas já tinha outra namorada, a Ester e eu já estava com seu pai. Patrícia é sua irmã legitima, por parte de pai e mãe. E pode ter certeza que eu falo isso pra Ester, porque nunca tive raiva dela, apesar de não nos falarmos há muitos anos -declarou peremptória dona Lia.
O peso havia saído da cabeça do jovem casal. Imediatamente ligaram para dona Ester e Joana deu a noticia. Marcaram para irem no outro dia na casa da mãe de Joana. Lia aceitou de primeira.
-Nunca tive raiva de você, Ester. Fomos amigas de infância. Lucas não deu certo comigo e parece que também não deu com você. Mas é a vida. Espero que nossos filhos sejam felizes. Adorei sua filha e espero que seja minha nora -finalizou Lia abraçando a velha amiga.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

CONVERSA DE BOTEQUIM

Os quatro amigos se encontravam sempre às quartas feira para iniciarem os trabalhos etílicos do final de semana. Era um hábito que já tinha pelo menos oito anos. Formavam um grupo ideal, com discussões que iam de musica para futebol, passando pela política e chegando até à família, já que dos quatro, três eram casados e tinham filhos na adolescência. Victor, o mais jovem, 32 anos, tinha saído da Universidade há três anos, onde quase jubila, mas enfim concluíra o curso de sociologia. Era poeta e metido a escritor. Estava sem trabalho e politicamente sempre tinha uma posição bem avançada, quase radical e sempre batia na tecla de que só as reclamações e choradeiras não eram suficientes para mudar. Achava que tinham que lutar mais, ir pras ruas. Torcedor de Tuna e Vasco, se achava um bom entendedor de futebol, mas era sempre o mais gozado, porque seu time, dos três grandes do Pará, era tido como o terceiro, o mais sofrido e o que tinha menos títulos.
Samuel, o Samuca, era o assumido comunista do grupo. Advogado, sem escritório próprio, usava o escritório de um colega. Prestava serviço como contratado a dois sindicatos de trabalhadores rurais no interior, e de uma associação de pescadores. Contra tudo e contra todos, era outro crítico do sistema. Vindo do heroico PCB, estava sem partido, não sabia se se filiava ao PT ou atendia apelo de alguns amigos que resolveram aderir ao PC do B.
Gildo era indeciso politicamente. Dizia que foi do MR8 nas décadas de 70, 80, mas na verdade não estava filiado, aliás nunca se filiara a partidos. Se autoproclamava de esquerda, mas nunca assumiu ser um militante comunista. Preferia evitar, segundo ele, a pecha. Mas nas greves da categoria -era professor do ensino médio- estava sempre presente e era um dos que mais agitavam.
Geraldo era o mais calmo. Só falava o necessário e tinha passado mais de um mês sem se reunir com os amigos. Um problema sério de coluna o afastara um período do grupo e até do trabalho da agência onde trabalhava como corretor de automóveis.
Samuca era sempre quem puxava as discussões. Polêmico, gostava de exercitar sua veia de homem de esquerda, daqueles que viam erros em todos os setores. Elogio era uma palavra fora de seu dicionário.
-É impossível viver em um país e em um estado onde sempre quem manda é a direita. Sinceramente, como já joguei a toalha em termos de credibilidade nesse país. Em meu estado é até pior. Aqui não acontece nada de novo. Essa direita podre não muda. principalmente em termos de direitos de trabalhador -reclamava Samuel, que aos 43 anos já tinha feito dois concursos públicos, passado nos dois mas nunca fora chamado. Alegava que era sua ficha "de comunista" que não deixava nada fluir em seu favor.
-Eu concordo plenamente com você, porque a verdade é que esses caras não olham nem pelos servidores públicos, quanto mais para trabalhadores comuns. Queria que eles tivessem a hombridade de pelo menos dar aumentos corretos para os servidores estaduais e municipais; pagassem o piso dos professores, por exemplo, que trabalham com educação, necessidade fundamental para todo ser humano, e que aqui ganham uma miséria - concordava reclamando Gildo, professor do ensino médio, com 15 anos de magistério e ainda pagando aluguel.
E continuou: -Se minha mulher ganhasse um pouquinho mais e eu recebesse o piso salarial nacional de professores, nossa vida era bem melhor, meu camarada -garantiu.
-Égua, vocês reclamam pra caramba. Que dirá eu, que no momento estou vivendo praticamente ás custas do que ganha minha mulher?  E tenho que dar graças a Deus, porque moramos numa casa que ela ganhou do pai.  Se não fosse isso, a bronca era mais feia -reclamou Geraldo, o mais pacato dos quatro amigos.
Geraldo estava encostado de benefício, com problemas sérios de coluna. Na concessionária de veículos onde trabalhava, estava ameaçado de ser despedido, o que o deixaria ainda em pior sua situação, pois ganhava um pequeno salário  mais a comissão nas vendas, Como não estava vendendo, o salário só dava para pagar a luz, o IPTU e comprar pequenas coisas de casa. O grosso mesmo era sua esposa que punha em casa.
-Eu quero é ver é a merda feder. Amigos, se o povo não se movimentar, acho que isso aqui vai voltar a ser uma ditadura, como em passado recente. Nunca vi um governo pensar nos mais pobres. Tenho pouco mais de 30 anos e sinceramente como não vejo perspectiva neste país. Tu já pensou aqui no Pará? Só dá PMDB ou tucano. Não muda essa história nunca. E no Brasil é tucano e tucano. Esse boca de suvaco do FHC que se dizia de esquerda é um falso. Está aí governando só pra rico, quer privatizar tudo e lascar ainda mais a todos nós. Gosta de posar de estadista, mas não passa de um vendilhão das riquezas nacionais. Vocês vão ver. Vai terminar conseguindo vender a Petrobras, como fez com a Vale, com a Companhia Siderúrgica Nacional e outras grandes empresas. Não tem compromisso com nada. Só com o bolso dele e dos seus -reclamava Victor, destilando todo o seu rancor nos gestores da nação e do Pará.
A cerveja rolava e o papo fluia normalmente. Já eram quase 23 horas. 
-Hoje eu tô afim mesmo é de dançar. Sair daqui, já que vocês são todos enrolados, eu vou pro Palácio dos bares, pegar uma gata e desfrutar do amor -mudou de assunto Victor.
-Ok. Tu és solteiro mas te lembra que tu tens filho. Cuidado com a Naza. Ela me disse que tu nem vais ver o garoto, espertão -sapecou Samuca sorrindo para o jovem Victor.
-Rapaz, eu até que assumo. Mas não posso fazer muita coisa agora não, né? Estou fazendo um estágio,  e o que recebo não dá nem pra gelada. Mas tô ligado. Assim que as coisas se ajeitarem - o que não acredito muito agora! -vou dar a pensão do garoto. Só não quero mesmo é papo com ela. Perturba muito. É estressada demais -rebateu Victor, decepcionado com sua própria situação.
Por volta das 23,30h os colegas se despediram. Marcaram para se encontrarem no sábado, na pelada, que na verdade era mais um pretexto que sempre encontravam para tomarem mais umas geladas e baterem o saudável papo. 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

AMOR NA IGREJA

José Luiz é o que pode se chamar de "homem certinho". Nunca bebeu, nunca fumou, não gostava de festa, tinha poucos colegas, sua única diversão sempre foi torcer por seu time, o Paysandu. Do tempo do rádio portátil, Ze Luiz, como todos o chamavam, adorava torcer pelo seu time sozinho, numa rede ou debaixo do pé de açaí na sua querida Igarapé Miri. Poucas vezes veio a Belém, e quando vinha era para resolver algum problema de sua mãezinha, dona Natércia, já idosa e com muitos problemas como Artrose, pressão alta  e diabetes.
Foi seu primo, Adonias, quem o convidou pra vir morar em Belém. Zé Luiz não queria de maneira nenhuma vir pra capital. 
-Rapaz, eu não conheço nada no Belém. Que que eu vu fazer lá? -perguntava sempre ao primo Adonias quando este ia lá em Igarapé Miri, onde a família tinha um sítiozinho e umas plantações de açaí.
-Tô te falando que é legal, rapaz. Já tô em Belém há oito anos, tenho minha casa no Jurunas  e te digo: só quero vir em Igarapé Miri passear -dizia Adonias todo pávulo com o que já havia conseguido na capital.
Foi no começo do ano 2000, depois de tanta insistência do primo, que Zé Luiz veio pra Belém. Como não tinha casa pra morar, ficou mesmo na  casa de Adonias, que era três anos mais velho que ele -25 anos- mas já estava casado e a esposa estava inclusive esperando o primeiro filhinho.
Adonias adorava uma cerveja, mas quando estava com pouco dinheiro, tomava mesmo era uma cachacinha, sem cerimônia. Gostava de beber em casa, pois casado há menos de um ano, era um chamego só com a esposa, Ana Lúcia, uma morena cor de jambo, cinco anos mais nova que ele, muito simpática, sorridente, alegre, apesar de evangélica daquelas que não perdia um culto sábado e domingo numa igreja do bairro.
-Queria que Adonias se convertesse, Zé Luiz. Acho bacana o homem que não bebe. Ele é um homem muito bom, o problema é essa bebida. Às vezes, mano, ele bebe tanto que vai dormir parecendo uma criança. Só acorda no outro dia de tão bêbado  -dizia para o parente, que ouvia tudo calado, pois não queria causar problemas para o primo e amigo que o havia trazido para Belém.
Zé Luiz, através do conhecimento de Adonias, foi trabalhar numa fabrica de palmito, no Jurunas mesmo. Adonias era uma espécie de gerente da fábrica, homem de confiança do dono e conseguiu que Zé Luiz ganhasse logo e início um salário mínimo, que não era lá essas coisas, mas a carteira era assinada e ainda ganhava toda semana umas compotas de palmito picado, que ele como não gostava muito, vendia para uma taberna no bairro.
A medida que crescia a barriga de Ana Lúcia ela mais insistia para o marido Adonias deixar a bebida e se converter. Também insistia muito com o primo dele, Zé Luiz, para entrar na igreja. Só que ele era católico igual à avó e à mãe  e nem gostava de conversar sobre o assunto. Cortou logo a conversa quando a esposa do primo mais uma vez foi assediá-lo para entrar na igreja: -Não dá mana. Minha mãe nunca me perdoaria se deixasse a igreja católica -respondeu pela segunda e última vez, fazendo com que Ana Lúcia não mais insistisse sobre o assunto.
Mas bastou Ana de Nazaré, a filha do casal, nascer, para o coração de Adonias amolecer. Como a esposa parou de ir na igreja evangélica por um período,  pediu para o marido seguir seus passos, fazer sua cobertura como obreira.
-Você tem que cobrir minhas faltas na igreja. Sou uma serva, não posso deixar de frequentar o templo. Vá com o pastor e diga que eu tive neném e procure fazer as obras da igreja. Por favor, amor. Faça isso -implorava Ana Lúcia, ainda de resguardo, ao marido.
E Adonias foi. Falou com o pastor e com mais ou menos uma semana de frequência à igreja, ja virou um fervoroso obreiro. E obreiro daqueles que todos os domingos ía cedo para participar da evangelização e até nos trabalhos mais árduos da igreja.
Zé Luiz a tudo assistia e nada falava. Via o primo transformado: outrora doente por futebol, Paysandu como ele, agora um fanático pela igreja, que discutia até com os antigos amigos da cerveja sobre as vantagens de ser um obreiro.
-Hoje eu estou mais feliz. Estou limpo. Não deixei de torcer pelo Papão, mas pouco me interessa se ele perde ou ganha. Meu compromisso é com a minha igreja -dizia sempre que um amigo lhe cobrava o porquê de haver deixado de beber uma cerveja nos finais de semana.
-Rapaz não faz mal beber uma cerveja, um vinho. isso até ajuda na saúde.
-Tá maluco? Isso é pecado, mano. Eu tô fora! -respondia sempre quando alguém lhe cobrava presença.
A filha de Adonias e Ana Lúcia, a pequena Ana Nazaré, ficava taludinha e seus pais estavam cada vez mais afinados com a igreja. Com quatro meses da filha, Ana Lucia  se preparava para voltar a frequentar a igreja: agora na companhia do marido pretendia ir aos cultos aos sábados e domingos. Adonias, entrara de férias e com o dinheiro que havia recebido ia comprar um novo terno e dar uma boa parte como dízimo para a igreja.
-Por que tu não faz uma reforma nessa casa, Adonias. Eu te ajudo -perguntou Zé Luiz ao primo, mesmo tímidamente.
-Pra que isso, rapaz?  A casa está boa, nós estamos vivendo muito bem aqui. Quem precisa de ajuda é a igreja pra fazer um trabalho melhor com os mais pobres -respondeu Adonias ao primo Zé Luiz.
No domingo, o casal foi para a igreja com a bebê Ana Nazaré. Zé Luiz ficou em casa sozinho. Ouvia uma música no rádio, cozinhava e se preparava para assistir a um jogo de seu time, o Paysandu na televisão.
Por volta das 13 horas os dois voltaram e a comida já estava pronta, preparada por Zé Luiz, que mostrava sempre ser prestativo, quando necessitavam. 
-Poxa Zé você é o máximo. Tenho que te agradecer esse apoio. A partir de amanhã vou fazer uns trabalhos em Mosqueiro, para a igreja, aproveitando este mês de férias. É que um grupo evangelizador está fazendo umas missões pra lá e eu vou ajudar trabalhando. Só volto à noite, mas todos os dias vou estar aqui. Você se quiser poderá vir almoçar aqui em casa. A Ana Lúcia vai ficar aqui e tranquilo dá para você vir em casa ao meio dia.
-Não Adonias. Fico na fábrica. Faço refeição por lá mesmo. Não quero dar esse trabalho pra Ana  -disse Zé Luiz.
Muito cedo, do outro dia, Adonias foi pra Mosqueiro. Tudo por sua conta. Transporte, estada no distrito, alimentação. Queria de qualquer maneira ajudar o pastor Hélio e o pedido da esposa, que queria que ele fosse um obreiro respeitado.
Passou a  primeira semana e já na segunda, Zé Luiz vai um dia tipo 13 horas em casa. Foi pegar um documento. Chegando, não encontrou Ana Lúcia. que segundo a vizinha, havia ido na Igreja ajudar nas obras a pedido do pastor Hélio. Zé Luiz achou estranho tanta dedicação, o marido de um lado, a esposa do outro,  e num horário em que precisava dar maior atenção à filha bebê. Mas como a opção era deles, nada falou. Passou mais de meia hora em casa e Ana Lucia não apareceu.
À noite, preferiu não falar nada para o primo, e notou que Ana Lúcia também não comentara. Para ele era estranho, porque Adonias ficava desde que entrava em casa, falando de como havia sido o dia em Mosqueiro. -Fizemos isso, aquilo, Foi um dia de glória -dizia empolgado o primo fervoroso.
No outro dia, Zé Luiz foi novamente em casa no mesmo horário, 13 horas. Ana Lúcia novamente não se encontrava. Ele preferiu não perguntar nada a vizinha. Tomou banho, trocou de roupa, pois não iria trabalhar à tarde, e se dirigiu para o comércio, onde iria resolver um problema de sua mãe.
No caminho, passou na igreja e viu Ana Lúcia com a bebê nos braços, que saia do templo, conversando com o pastor Helio. Sentiu um clima de muita afinidade entre os dois. O pastor quase encostando seu rosto no da esposa de seu primo. Zé Luiz achou a atitude dos dois muito esquisita, estranha, mas mais uma vez preferiu ficar na sua. Como Ana Lúcia não o havia visto, ele à noite, não falou nada para o primo sobre o que tinha presenciado.
Adonias continuava com sua missão de obreiro em Mosqueiro. Ana Lúcia, segundo uma vizinha comentou com Zé Luiz, todos s dias estava na igreja, na hora do almoço. Era das 12 até perto de 15 horas.
Zé Luiz na verdade ficara encucado com o que havia presenciado. Já existia até comentários sobre Ana Lúcia e o pastor Hélio, homem jovem, na faixa dos 38, 40 anos, alto e com um forte sotaque sulista. Segundo soubera, inclusive pela boca do próprio primo Adonias, pastor Hélio era casado, mas a esposa não estava em Belém. Soube também que enquanto a esposa não chegava, pastor Hélio vivia na igreja, onde também dormia e trabalhava seu rebanho de homens e mulheres. Homens que ele sempre deslocava para missões em Icoaraci ou Mosqueiro, onde a congregação estava também construindo uma igreja; enquanto que as mulheres ele determinava que tinham que cuidar das coisas da igreja do bairro do Jurunas. Ana Lúcia era uma delas, serva fervorosa, ao ponto de sair de sua casa todos os dias para servir à igreja. Zé Luiz já estava segurando a historia há quase 10 dias, período este que coincidia com o trabalho que o primo Adonias fazia em Moqueiro, aproveitando as férias.
Um dia, uma terça feira, Adonias veio para casa mais cedo. Havia faltado um material em Mosqueiro e ele veio para avisar ao padre Hélio para comprar a tempo de chegar no outro cedo no bucólico distrito de Belém.  
Ao chegar em casa, por volta de 12,30h não encontrou a mulher nem a filha. Esperou uns 15 minutos. Como a esposa não chegou,  resolveu perguntar à vizinha, dona Arlete, se ela sabia onde Ana Lúcia tinha ido, se havia deixado algum recado.
-Não sei meu vizinho. Pode ser que ela tenha ido à igreja -disse dona Arlete quase gaguejando, temendo o pior.
-Ok vizinha. Obrigado.  Vou esperar mais um pouco -agradeceu Adonias.
Ana Lúcia só chegou por volta das 14,30h. Adonias, embora impaciente, resolveu não perguntar muito, mesmo porque Ana foi logo dizendo que tinha ido resolver um problema da filha. Mas  com seus botões estranhou muito, principalmente porque a mulher entrou em casa com um tipo de marmita térmica em uma sacola.
-Que houve homem, não estavas em Mosqueiro? -perguntou Ana Lúcia. 
-Faltou material. Tive que vir pra avisar ao pastor. Vou até lá com ele.
À noite, Adonias contou para o primo Zé Luiz o acontecido. Estava tenso, não conseguiu segurar. Zé Luiz não falou nada do que sabia ou pelo menos suspeitava. Não tinha essa índole de dedurar ninguém. Mas ficou com uma certa pena do primo. Imaginava que Adonias estava passando por um problema muito sério.
A verdade é que Adonias ficou muito desconfiado. Porém, mesmo assim, no outro dia foi cedo para Mosqueiro. A cabeça era um zumbido só. Por que a mulher tinha chegado tão tarde e com uma marmita? Para quem ele levara aquela comida?  As perguntas se multiplicavam. Sua cabeça girava. mas preferiu dar tempo ao tempo.
Continuou por mais dois dias indo cedo para Mosqueiro. Depois de muita insônia e dor de cabeça, decidiu que na sexta feira não iria
Foi na fábrica pegar um restante do dinheiro das férias. Conversou com o pessoal e pouco mais de meio dia foi para casa. Convidou o primo Zé Luiz para ir com ele, tendo o mesmo aceitado. Não foram pra casa. Rumaram direto para a igreja.  Lá chegando, viu a igreja fechada, então foi pelo lado e notou a porta da igreja do quarto que o pastor dormia levemente encostada. Na companhia do primo, empurrou e a cena que presenciou nunca mais sairia de sua cabeça. Pastor Hélio estava completamente despido e Ana Lúcia sem calcinha e tirando o sutiã. Adonias avançou para cima do pastor, que correu despido com a calça na mão, fugindo pela porta dos fundos, pegando seu carro e desaparecendo desesperado. Zé Luiz tentava acalmar o primo, mas este enlouquecido peguntava à esposa o que significava aquilo.
Ana Lúcia só chorava, enquanto a pequena Ana Nazaré, parecendo entender tudo que acontecia, também abriu o berreiro. Zé Luiz conseguiu acalmar e sentar o primo. Ana Lúcia, em prantos só dizia que não sabia o que havia acontecido. 
-Não era eu. Algo se apossou de mim. Do meu corpo. Meu Deus me ajude! -gritava desesperada e aos prantos a mulher de Adonias.
-Conversa é essa, Ana. Você me traindo com esse pastor safado. E eu me matando por essa igreja e por esse bandido em Mosqueiro! -gritava nervoso Adonias.
-Não fale assim de mim. Você bem sabe que se tenho culpa, você também tem -respondia Ana Lúcia.
O casal saiu da igreja em silêncio quase sepulcral, graças aos esforços de Zé Luiz, que pediu que Ana tentasse acalentar a filha, que chorava desesperadamente. Ana Lúcia com muita luta conseguiu acalmar a filha e seguir para casa.
Os primos tomaram outro rumo. Foram para um bar. Adonias, que havia praticamente abandonado a bebida, só tomando vez por outra um vinho, nesse dia encheu a cara. Tomou todas. Zé Luiz, que não bebia, nesse dia companhou o primo na cerveja. Os dois choraram e lamentaram a situação do casal e principalmente da criança Ana Nazaré.
Chegaram em casa, Ana não estava. Segundo a vizinha, dona Arlete, ela arrumara uma mala e havia saído.  Mas deixara um  bilhete de poucas linhas.
" Estou indo embora. Pra mim basta. Fiz o possível para ficar a seu lado. Mas o amor que sinto pelo Hélio foi mais forte e venceu. Não se preocupe com nossa filha. Vai ser bem cuidada e breve darei notícias". Ana Lúcia.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

COM CARINHO E COM AFETO

A noite para aquele grupo parecia mesmo uma criança. Os cinco bebiam desde as quatro da tarde, já era mais de 10 da noite e tudo parecia muito bem, tudo normal, a não ser alguns aconchegos e o papo já famoso de Rui Gonçalves, velho boêmio do bairro da Marambaia, conhecido pelos mais antigos parceiros desde os anos 70, como Rui Cheiroso.
Rui era tranquilo, gostava de uma porrinha, um carteado, dominó e era o cobra da sinuca. Tinha sempre dinheiro, mas na realidade não se sabia em que trabalhava. Uns diziam que era seu avô que bancava; outros, que a mãe tinha umas casas alugada e sustentava o filho único.
Unhas sempre pintadas, cabelos com bastante brilhantina -Rui era do tempo do óleo Glostora e não relaxava, andava sempre com o cabelo brilhando, na maior pínta.
Carro não tinha, mas para as distâncias maiores andava em sua bicicleta, sempre enfeitada e com direito a luz atrás para evitar acidentes. Sua conversa era sempre na base de muitas gírias, quase todas bem antigas, dessas que não se ouve mais; mas era educado e não tinha envolvimento com coisas erradas. -Meu lance é só o meu cigarro e o gelo", gostava de deixar bem claro.
Rui era cavalheiro, e adorava reverenciar as mulheres, sempre usando um carme de bom malandro.
-A gente poderia fazer um rolê para outras paragens, né gatas?  O Cheiroso aqui está muito afim de emendar pela noite, inclusive poderíamos ir daqui pra Icoaraci. Tem ambientes simpáticos por lá, que com certeza dá pra gente curtir. Tá afim Fernando? -indagou Rui para o amigo que com ele estava com as três garotas. 
-perfeito meu mano. Acho que as gatinhas vão querer acelerar com a gente. Vamos pegar um táxi -concordou Fernando.
As três garotas,  Cláudia, Alice e Nazaré eram todas do bairro vizinho, a Nova Marambaia. Haviam saído para o comércio e lá perto da Igreja das Mercês, encontraram Rui e Bernardo, e como uma delas, Cláudia, conhecia Rui, pararam, começaram a conversar, fora convidadas a tomar uma gelada. Tomaram três cervejas no Ver-o-peso e depois foram para mais perto de casa, a Marambaia, onde no momento decidiam se iam ou não para Icoaraci. Alice era a mais nova das três, tipo 25 anos, solteira, mas com namorado. Nazaré era também jovem, 31 anos, era casada, e segundo falava para as amigas, estava em litígio com o marido, que era motorista de ônibus. Já era casada há oito anos e dizia que não estava mais dando certo. 
-Sinceramente como não aguento mais aquele traste que eu tenho em casa. Homem que não valoriza a mulher que tem. Chega em casa todo dia tarde da noite e ainda bebido. Nunca me leva pra canto nenhum, e pra me dar dinheiro pra comprar algo pra mim e pra meu filho, é um sufoco. Tenho que tirar do bolso quando ele está dormindo. Credo de vida! -se lamentava.
Rui achou que estava dado o bote. Não queria Cláudia por ser, segundo ele, muito amiga e mesmo o Fernando já estava de olho. Alice era novinha e ele, já com 52, preferia uma mais madura, segundo ele, e experiente.
-Sabe Naza, me amarei em você. Pena você ser casada. Poderia ser a mãe dos meus filhos! -disse em tom de galanteio Rui.
-Pena que já sou operada e filho já basta o meu bebê de sete aninhos. Sobre ser casada, tem uma vírgula ai. Estou em tempo de quase separação. Não estou legal com o tal lá! -respondeu Nazaré sorrindo.
-Realmente, tem homem que não merece o bibelô que tem em casa. Tenho certeza que você é uma santa, além de ser linda mulher, daquelas que o cara fica arriado, como estou! -arrematou Rui,
Cláudia, que era conhecida de Rui,  decidia se iam ou não para Icoaraci. Fez sinal para as colegas que levantaram o dedo dando positivo. Agora era acertar o táxi, pois de ônibus não era muito legal, não.
Bernardo, até que já havia concordado. mas sentindo que talvez as meninas descem pra trás e como estava com dinheiro mas não podia estourar muito, pois tinha despesas em casa, propôs a Rui para irem para outro bar no mesmo bairro.
-Taí. Tô dentro! -gritou Alice ao ouvir o convite de Bernardo. -Leva eu também! -emendou Cláudia. Nazaré completou: Tô no jogo! E saíram os cincos de táxi para outro bar, mais perto da Tavares Bastos.
Já era quase 23 horas quando Nazaré -a única realmente que era comprometida, igual a Bernardo, que também era casado mas não tinha essa de horário -começou a se beijar com Rui. Beijos e abraços, toques mais sensuais, numa paixão inesperada meio louca tomou conta dos dois. Alice observava a amiga e cutucava Cláudia, que tentava das tentativas de Bernardo. -A doida  pirou! -comentou Alice com Cláudia, que sorriu e gesticulou com a cabeça.
Cláudia terminou cedendo ao charme de Bernardo, que entrou de chapa na morena. Tava tudo feito. Só Alice estava sobrando. Disse logo que não entraria em nenhuma brincadeira, tipo três mulheres e dois homens.  -Ainda não aprendi a gostar de mulher! -disse a mais jovem das três garotas, deixando claro que sua onda era outra. -Fico na minha e vocês curtam à vontade! -definiu Alice.
Decidiram que pegariam um táxi, deixariam Alice perto da casa dela e iriam os dois casais para um motel. -Melhor a gente dá a grana para ela ir, já que não quer ficar com a gente! -arrematou Bernardo.
-Não! Deixamos ela no caminho e vamos viver nossas vidas! -finalizou Rui decidido.
Já se preparavam para pegar um táxi, quando um carro parou perto deles. Do veículo desceu um homem, muito rápido e demonstrando estar meio transtornado, quase gritando, rumou em direção á Nazaré.
-Sua puta,agora você me paga! -disse o homem, tentando agredir a mulher, que se esquivou de qualquer maneira.
-Calma, amigo. Qual  problema? -perguntou Alice, puxando o valentão pelo braço.
-Que que você quer, sua piranha?  -perguntou agressivamente o homem. -Essa vagabunda aí é minha mulher! -apontou para Nazaré. -Sim, e ela não pode beber uma cerveja comigo, meu namorado e o namorado da minha amiga? Você por acaso é dono dela? E por que fica chamando ela de puta, vagabunda, me difamando e agredindo todo mundo? -e partiu pra cima do valentão, já que era a mais nova, mas também a mais alta e demonstrou ser muito corajosa.
-Camarada, manera aí. Fica frio, não provoca. Tu tá maluco? -perguntou Rui na tranquilidade.
-Tu chega, não conhece as pessoas, agride minha amiga, a mim... Já pensou se o namorado dela não fosse tranquilo? Sabia que ele é policial e poderia encher tua cara de bala, otário? -gritou Nazaré, cheia de moral deois da ação da amiga Alice e do esperto Rui.
Mário, o marido valentão, baixou a cabeça, pediu desculpas,, olhou para a mulher, nada falou e foi saindo de fininho. Desapareceu na noite, deixando os cinco amigos na tranquilidade.
O táxi chegou, Alice sentou ao lado de Rui, Nazaré no banco traseiro numa ponta, Cláudia na outra e bernando no meio, imprensado pelas duas.
Em vez de deixarem Alice no meio do caminho, foram os cinco para a Locomotiva, onde fizeram a festa. Sorriram muito e agradeceram tudo ao valentão marido de Nazaré.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

NAMORO (OU AMIZADE) EM COTIJUBA

O popopô deslizava sorrateiro pelas águas da Baía do Guajará com destino à Ilha de Cotijuba. A viagem, até que não foi demorada, mas para os que são temerosos de andar de barco, lancha ou até de navios, dá um friozinho na barriga, principalmente quando passa por galerias -e olhe que são muitas!-
fazendo com que os mais medrosos arregalem os olhos assustados e as crianças abram o berreiro. Tem marmanjão que ameça até pular do barco, preferindo se arriscara nadar do que morrer afogado num possível naufrágio. . Pense!
Na ilha de Cotijuba, onde outrora funcionou um presídio de onde surgiram várias histórias atribuídas a um governador militar, certamente algumas lendas, os passageiros do barco, muitos em sua primeira viagem à bonita região, se deslumbravam com a paisagem ainda bem natural e tentavam entender como viviam os nativos moradores do paraíso.
-Aqui a gente vive como Deus quer. Mas não falta muito pra gente ser feliz, não -garantiu Jonas, um morador que trabalha numa das charretes que leva os turistas e veranistas às praias.
-Mas que é bonito é -arrematou Alice, paraense de Bragança, que já conhecia Belém mas nunca havia ido na famosa ilha.
Cotijuba fica defronte à Icoaraci, funciona também como distrito dormitório, uma vez que parte da população trabalha em Belém. O nome, segundo a história, foi dado pelos índios Tupinambás, e significa "Trilha dourada".
Muitos seguiram para as praias em grupos, que eram formado por seis, cinco, quatro e até três pessoas. Poucos foram os casais que seguiram, principalmente para a praia mais famosa e também a mais distante, a "Vai-quem-quer". O nome, segundo os moradores de Cotijuba, foi dado devido mesmo a distância da praia, ainda bem natural, apesar de algumas pequenas pousadas e casas particulares, mas com uma estrutura suportável para o ambiente bucólico do lugar.
-Em Vai-quem-quer tem gente que pratica até nudismo, mano  -garantiu Jonas, que se preparava para levar um pequeno grupo em sua charrete para a bucólica praia.
Na chegada a Vai-quem-quer Ana, Paulo, Juca e Niceia, quatro amigos de Belém que já conheciam à praia, não ficaram em pousada. Preferiram alugar uma barraca grande e armaram mesmo bem perto da praia.
Na primeira noite em Vai quem-quer foi maravilhosa pra os quatro amigos. Ana e Paulo já eram formados em Fisioterapia, enquanto os outros dois amigos, Niceia e Juca, se preparavam para entrar no ensino superior.
-Um ambiente desses faz a gente pensar em tanta coisa, em tantas fantasias, em tantas bobagens -falou Paulo, olhando para Niceia, sob o olhar da amiga Ana.
-Olha -disse Ana-, por mim eu não tenho preconceito com nada, e pode ter certeza que eu hoje vou tomar todas, inclusive já peguei minha garrafa de vodca. Já tome duas doses pequenas, mas queria que alguém se habilitasse a fazer uma batida. tenho limão na bolsa -completou.
-É pra já -disse Niceia.
Paulo e Juca tomavam uma cerveja em lata que haviam levado.  Como era pouca, logo se acabou e eles emendaram na batida. Enquanto isso, as meninas já estavam com todo gás, de biquíni e prontas até para um delicioso banho noturno. 
Por volta de 23 horas a praia do Vai-quem-quer já estava povoada por pelo menos uma 15 pessoas. 
Casais passeavam juntos, amigas desfilavam de duas peças e até mesmo só com a parte de cima do biquíni, com muita tranquilidade, paz e despreocupação, pois ninguém estava ali pra vigiar ninguém.
Ana caminhou sozinha para a beira da praia. Já tinha bebido várias doses de batida de vodca com suco de maracujá e adoçante. Quando os três deram pela falta da amiga saíram em seu encalço, dois para um lado Niceia e Paulo- e Juca pelo outro. Encontraram a moça sentada sozinha na beira da praia, copo de batida vazio ao lado, pés descalços e bem à vontade sem a parte superior do biquini, ou seja fazendo, na calada da noite, um topless.
-Menina, estávamos te procurando -falou Niceia que, acompanhada de Paulo, foi logo sentando ao lado da amiga. Um forte abraço com direito a selinho marcou o reencontro dos amigos. Juca, só apareceu uma meia hora depois, certo de que os amigos já haviam se encontrado.
O banho de mar noturno foi providencial para eles que já estavam bebidos. Niceia, que havia bebido menos, ficou cuidando de todos para que não acontece nenhum acidente no banho.
Adormeceram na praia, dormiram abraçados, Juca com Ana e Paulo com Niceia. Não haviam combinado nada, apenas bebiam e conversavam, mas  quando o sono chegou houve um súbito aconchego parecendo bem natural, embora com os aparentes pares trocados, apesar de serem todos amigos e ninguém ter compromisso com ninguém.
No outro dia, saíram cedo logo ao raiar do sol, para a barraca. felizmente estava tudo tranquilo, não haviam mexido em nada. Pouco conversaram. Após trocarem de roupa, rumaram à procura de um bem café da manhã. 
Juca foi o primeiro a se manifestar: "Que que houve ontem, pessoal? Qual foi Paulo, por que você ficou agarrando a Niceia, seduzindo-a até que dormiram juntos"?
-Nada a ver. Nem me lembro. mas se rolou alguma coisa, podes crer que não houve intenção -respondeu Paulo. E continuou: "Aliás, não sabia se você era namorado dela ou coisa parecida".
-Não sou nada. Apenas pensei uma coisa na nossa vinda e aconteceu outra -respondeu Juca, sorrindo e quebrando o gelo.
-Pois eu não pensei nada e o que aconteceu foi ótimo, Juca, E você Niceia, gostou da noite? -indagou 
Ana sorrindo. -Gostei e quero repetir. E fica tranquilo, Juca. Pode ser  com você. Afinal somos todos amigos, aqui ninguém namora ninguém, é só amizade. Quanto mas colorida melhor -completou uma Niceia nem parecendo a moça calada, quase tímida que chegara à Cotijuba.
Os quatro saíram abraçados, foram a uma pequena birosca, compraram bebida e voltaram pra barraca onde conversaram até tarde, juntinhos, comemorando a bela amizade entre os quatro.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

DESTINO IMPREVISÍVEL

Seu Américo, que na realidade era tenente da Aeronáutica, queria que os três filhos seguissem, como ele, a carreira militar. Os meninos, Stelio, Silvano e Sandro estudaram em colégio militar e religioso. Cariocas, de Realengo, eram meninos tidos como bonitos, bem criados e muito educados. mesmo filhos de pais classe média, faziam amizade com todos, embora não fossem de sair para a rua pra jogar futebol, empinar pipa e outras brincadeiras naturais que todos garoto de bairro coloca em primeiro lugar da vida.
Aos 15 anos de Stelio, o mais velho, vieram para Belém. O pai, já reformado, montou ma empresa de material de construção para ão ficar parado.
-Quero que meus filhos estudem, se formem. Já que não querem seguir a carreira militar, que era um de meus sonhos, tudo bem. O destino das pessoas quem manda é elas. Eu queria, mas nem o Stelio, que é o meu primeiro, quer, paciência -resignava-se seu Américo, pai dos meninos. Um homem ainda muito jovem, com menos de 50 anos. Aposentara-se da Aeronáutica por causa de problemas na coluna, o que lhe fazia sentir muitas dores. -Mas não vou me operar. Não quero ficar aleijado -falava sempre para os poucos amigos  que tinha feito em Belém, terra de sua esposa, dona Carmem.
Com 17 anos Stelio concluiu o segundo grau e, compenetrado que era nos estudos, fez o Convênio e enfrentou o vestibular para Engenharia Civil, sonho dos pais e também dele, um craque em matemática.
Não foi daquela vez que seu Américo e dona Carmem comemoraram a chegada á universidade do filho primogênito. Não reclamaram muito, mas entre si, demonstraram insatisfação, mesmo porque Stélio, souberam, estava namorando uma menina do Convênio, Rita, da mesma idade dele.
Rita era morena, educada, demonstrava muito carinho por Stelio, que correspondia. os pais quando descobriram atribuíram á moça o fracasso no vestibular.
-Não sei por que seus pais reclamam de você não ter passado. os meus ao chiaram muito, não. Somos muito jovens ainda, temos a vida toda pela frente -tentava conformar o namorado Rita, demosntrando experiencia nos seus 17 anos.
Já Stelio ficara triste por não ter passado, conversara com a mãe, que falara sobre o namoro, garantindo que isso iria prejudicá-lo novamente.
-Pode ter certeza, meu filho, se você não parar com esse namoro, vai se dar mal de novo. Primeiro os estudos, depois o namoro -insistia dona Carmem, preocupada em ver o filho muitas vezes pelos cantos da casa, cabisbaixo. E de uma coisa ela tinha razão: bastava Stélio brigar com Rita, ter uma pequena discussão, que ele ficava triste e nem comer direito, comia.
No Cursinho Stelio procurava fazer sua parte e garantia que Rita não lhe atrapalhava. Resolveram até fazer um acordo: "vamos estudar juntos e passar esse ano no vestibular, você pra Odontologia e eu pra Engenharia. Vamos mostrar ao papai e à mamãe  que temos responsabilidade. Mesmo porque, papai já garantiu o meu carro s eu passar. Já pensou, com 18 anos eu ter meu carro? -sonhava acordado o jovem Stélio com sua amada Rita, já pensando nos passeios que fariam dentro de pouquíssimo tempo.
Stelio decidiu que iria passar no vestibular. Não era somente pela promessa do carro, que ele sabia que o pai cumpriria, mas era porque tinha um compromisso também com Rita, que não pretendia fiar por baixo na empreitada e chegar à Universidade.
Veio o vestibular e os dois fizeram. Stélio demonstrava um certo receio, puro nervosismo ele mesmo admitia, porque em seu íntimo tinha certeza de que estava preparado. O mesmo acontecia com Rita. Era uma das primeiras da classe. Dedicada e atenta aos professores. Nas noitadas que antecederam às provas, ficavam juntos e até aproveitavam alguns intervalos para namorar. 
Seria praticamente impossível que os dois mão tivessem sucesso.
Conferiram o gabarito e o resultado foi positivo para Stélio. E muito bem colocado. Um dos primeiros. Nota altíssima. Rita bateu na trave, mas não deu. Chorou um pouco, mas conformou-se.
Para Rita, seu amado passando já era o suficiente.
Seu Américo e dona Carmem fizeram uma grande festa para comemorar o sucesso do filho Stélio no vestibular para Engenharia Civil. O primeiro dos três filhos já estava encaminhado. -Graças a Deus minhas preces foram ouvida -agradecia a fervorosa dona Carmem. Seu Américo ficou radiante que até tomou um vinho, já que não era de beber.
No outro dia entregou a chave ao filho Stélio, que já tinha carteira. O Fiat Uno estava na concessionária para o próprio filho, que já possuía carteira, ia pegar. Stélio agradeceu muito, beijou os pais, e fi pegar o carro. Sua intenção, segundo falara, era dá uma primeira volta com a namorada Rita.
Chave nas mãos, documento do carro, Stélio ruma à locadora e pega o veículo, na cor que sempre sonhara. Bege, bem clarinho. Entrou, sorriu e saiu dirigindo. Quando chegou mais ou menos no terceiro quarteirão depois da locadora, um caminhão apressado o pegou de cheio. O carro desgovernado deu de encontro a um muro, fazendo Stélio ser cuspido à uma distância de quase três metros. Os que presenciaram o terrível acidente, garantiram que Stélio teve morte imediata. Como o fato aconteceu numa parte central da cidade, perto do bairro do Umarizal, Stélio foi socorrido mas todos foram unânimes em dizer que já chegou no PSM sem vida.
A notícia chego logo para s pais que correram para o local e viram o estado do carro zero quilômetro: todo destruído. Pelo que viram, logo entenderam que era praticamente impossível Stélio ter sobrevivido. Rumaram ao PSM e receberam a triste notícia do falecimento do filho. Dona Carmem não suportou e desmaiou. Seu Américo teve um pique de pressão e tece que ser atendido às pressas.
Ritinha só soube duas horas depois. Através de uma amiga que lhe participou por ter ouvido no rádio.
Os dois irmãos de Stelio, Silvamo e Sandro, inconsoláveis, tiveram que cuidar de todos os procedimentos para o velório e enterro do irmão querido. 
Dois meses depois os pais de Stélio voltaram definitivamente para o Rio de Janeiro. os filhos, Sandro e silvano, permaneceram ainda até o final do ano em belém, para conclusão dos estudos. Depois rumaram para o Rio. 
A família ficou praticamente destruída com a morte prematura do primeiro filho. O casal, segundo  alguns amigos, se recolheu a uma Chácara no estado do Rio. Perderam -Seu Américo e Dona Carmem -um pedaço de suas vidas. Os dois outros filhos deram sequência ás suas vidas.
Ritinha passou por maus momentos. Parou de estudar, só voltando dois aos depois. Formou-se em Odontologia como era seu sonho.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A DAMA DO VER-O-PESO

Quem frequentou a antiga feira do Ver-o-peso, na década de 90, antes da reforma feita pelo prefeito da época, Edmilson Rodrigues, deve ter conhecido ou pelo menos visto muitas vezes, a Adélia. Morena baixinha, corpo esguio, cabelo cacheado, era frequentadora diária da velha feira. Adélia dançava, bebia, sorria e transava com o cliente que lhe interessasse. Alguns diziam que se prostituía,. Tudo indicava que Adélia fazia vida no Veropa de guerra. Porém, era querida por todos e simpática, principalmente quando não estava bebendo.
Ninguém sabia na verdade sua origem, se tinha familiares, se tinha filhos, se tinha residência. Alguns comentavam que Adélia  havia sido casada, mas separou-se "não se acostumou a viver presa", como falava as suas amigas de copo.
Quando estava sem beber -e isso era raro!- Adélia era a simpatia em pessoa. Fazia pequeno mandados e era comum vê-la fazendo as unhas "mão e pé" em algum lugar da feira.
Suas roupas caiam bem em seu corpo esguio. Shortinho curto, blusinha que deixava sempre a barriga de fora e o cabelo longo e solto em cachos brilhosos. Era vaidosa e sempre estava bem vestida.
Adélia era jovem, pouco mais de 20 anos. Sorria sempre que alguém tirava uma graça, mas virava uma fera e discutia feio quando alguém falava de seu time de coração, o Clube do Remo.
De repente Adélia desapareceu. De um minuto para outro a bela morena, adeira cativa na feira, não foi mais vista. Uns diziam que ela havia ido para uma boate que havia sido inaugurada na Cremação. Outro garantia que havia visto a morena na Feira da 25. Na verdade, Adélia havia desaparecido mesmo. E com certeza não tinha acontecido nada de mal com a aquela que muitos chamavam de Dama do Ver-o-Peso, pela sua simpatia e pelo jeito simples de se comunicar com quem ela conhecia.
Adélia tinha clientes fixos. Fábio, que muitos diziam que era vice prefeito de uma cidade do interior era um deles. Sempre estava com ela, pelo menos uma ou duas vezes por mês, quando vinha de sua cidade no arquipélago do Marajó, para Belém.
Fábio era frequentador sempre de uma mesma de barraca, e quando começou a sentir falta de Adélia, passou a procurá-la por todo Ver-o-peso, de barraca em barraca. Ninguém informava o paradeiro da garota. As informações eram sempre desencontradas. Chegou a ir por três vezes, dois dias seguidos, na Feira da 25 na intenção de encontrar sua morena lá. Tudo em vão.
Uma das vezes, já desencantado com a procura em vão há bastante tempo, Fábio embriagou-se e chorou como uma criança desmamada em uma mesa. Embriagado, caiu por cima da mesa equase acidenta, pois na queda quebrou algumas garrafas de cervejas que se avolumavam na mesa depois de quase um da inteiro. "Queria pelo menos saber onde ela estava, com quem estava. Eu prometi que iria viver com ela" -disse o apaixonado Fábio, conhecido como vice prefeito, para a dona do bar no Ver-o-peso.
Dessa declaração de amor quase em público de Fábio surgiram vários boatos. Um deles foi de que  Adélia tinha engravidado e havia ido para Cachoeira do Arari, onde pretendia ter seu bebê junto com sua família.
Mais uma estória. Tudo lorota. Pessoas que conheciam Adélia mais a fundo desmentiram o boato dizendo que a morena era realmente do Marajó, mas de Ponta de Pedras, segundo uma moça que apareceu e se identificou como prima dela, que sempre vinha a Belém e que já a havia procurado em vão e garantiu que lá pelo interior Adélia não tinha dado as caras.
Passado pouco mais de dois anos, o Ver-o- peso já estava em suas novas instalações, muita gente nova, novos barraqueiros, mas com muitos remanescentes da velha feira ainda em atividades, uma tarde aparece uma moça muito bem vestida, com joias vistosas e uma cabelo muito bem cuidado. Muitos juravam que ela era muito parecida com a Adélia, talvez pela altura e pelos traços, embora essa estivesse com uma aparência bem diferente, bem mais fina, bem cuidada. Nos dois primeiros dias que foi ao Veropa, bebeu todas e sempre acompanhada de um senhor loiro, olhos claros, aparentando uns 45 anos. 
-Sou capaz de jurar que aquela moça morena com aquele gringo é a Adélia -garantiu uma senhora antiga barraqueira.
-Pior que parece pra porra -disse seu companheiro, também veterano na feira.
Mas ninguém se aventurava a perguntar, embora os mais afoitos tentassem saber se ela falava português ou se tinha "a língua enrolada", como dizem.
Mais ou menos no quarto ou quinto dia seguido, pulando de barraca em barraca, és que a morena com seu gringo a tiracolo, foi numa barraca de uma velha conhecida. Chegou por volta das 13 horas, comeu uma porção de gó frita, pediu uma gelada e só falava com seu companheiro na língua dele, que ninguém sabia se era inglês ou outra. 
Já perto das 19 horas. o gringo já estava legal, e a morena que alguns juravam ser Adélia, não perdia a pose, embora já demonstrasse um ar de que o peso da bebida estava chegando.
-Conheço isso aqui como a palma de minha mão -soltou de repente, em bom português bem paraense a morena para a dona do bar. -Vivi pelo menos oito anos de minha vida nesse Ver-o-peso, só que não era assim, era escroto todo! -continuou.
-Meu Deus, não me diga que você é quem eu estou pensando -disse a dona da barraca
-Sou sim. Sou a Adélia mesmo. Reconheci a senhora também, desde segunda feira, o primeiro dia que vim aqui. Só que estava criando coragem pra falar. A senhora sabe, né, minha vida hoje é outra -
completou a hoje a vistosa e elegante morena, meio grogue, mas bastante consciente do que falava.
Daí foi só abraços e beijos. O gringo sorria muito, embora não entendesse nada. Alba, a dona da barraca, foi logo comunicar aos mais antigos e ao marido que não estava na hora, que Adélia estava na área, "no nosso Ver-o-peso querido".
Nesse dia a festa continuou até perto das 23 horas e seria por conta da empolgada e feliz barraqueira dona Alba, se Adélia não tivesse interferido e praticamente ordenasse que era por conta dela. -Meu marido é quem vai pagar tudo. Ele quem me encorajou de falar. Como prêmio, vai pagar gelada para todos os amigos que vierem, pode convidar -gritava uma feliz Adélia, que aos amigos, embora com a voz um pouco embaraçada pela  contou sua nova vida.
-Moro há quase três anos na Holanda. Graças a Deus e ao meu marido holandês minha vida mudou.
O conheci aqui mesmo, numa tarde, não estava nem bebendo.  Ele começou a me olhar, conversamos, começamos a beber e dai vocês imaginam o resto. Confesso pra vocês que deve ter sido a primeira vez que senti prazer em fazer amor. Muito delicado, cheiroso e sem me exigir nada, o Jordan me conquistou de primeira e eu também o conquistei, né? -confessava uma Adélia sorridente, sensível,  feliz e muito humana, misturando chorro e riso de emoção ao rever pessoas de sua época de "Dama do Ver-o-peso. 
Jordan, o marido holandês, pouco falava. Preferia sorrir, demonstrando participar daquele êxtase de felicidade de uma ex-pobre moça que praticamente renasceu para a vida, mas que não perdera sua origem humilde. 
No outro dia Adélia só foi no Ver--peso para se despedir das velhas conhecidas. Ia para o Marajó, Para Ponta de Pedras, onde não ia desde que deixou Belém, embora mantivesse contato cm sua família, principalmente pai e mãe. "Vou aproveitar uns dias com minha família", disse à dona Alba.
Desde que fora para a Holanda , Adélia estava ajudado seus pais. Conseguiu comprar uma boa casa para os velhos e montou uma venda para seu irmão garantir uma renda para seus pais.
A antiga Dama do Ver-o-peso agora era uma dama realmente. A sorte ou o amor, batera em sua porta. E ela, como boa, marajoara, não deixou passar. Hoje era a sra. Jordan, residia na Holanda e tinha cidadania holandesa e europeia.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

PÃO COM MANTEIGA

Olívio da Silva não parava de perguntar as horas a todos os colegas de trabalho. Malandro diplomado, como ele próprio dizia, não falava pra ninguém, mas tinha um encontro marcado na boca da noite, mais ou menos entre as seis, sete horas,
-Égua mano, dá oito mas num dá sete horas! -resmungava a todo momento.
Tipo seis e meia saiu do trabalho e se dirigiu a um dos colegas, o Mário:
-Enfim, vou encontra minha gata, que está saindo do trabalho.
-Onde ela trabalha? - perguntou Mário.
-Lá pra baixo, perto da Prefeitura.
-Égua, tu vais de a pé daqui  do Reduto até lá? Deve ser um femão, não? -perguntou sorridente Mário.
-Das boas. Ainda não estamos juntos, mas me ajuda muito. Namoramos já há uns dois meses, e quase todo dia pego ela na saída - sussurrou sorrindo Olívio.
Mário foi com Olívio caminhando do bairro do Reduto, da fábrica de beneficiamento de castanha onde trabalhavam, até perto da Prefeitura de Belém. Antes, pararam num bar e tomaram três cerpinhas, que era para dar tempo da garota do amigo sair do trabalho.
-Ela trabalha em loja do comércio, Olívio? -perguntou curioso Mário, já incomodado com o horário, pois já passava das 19 horas.
-Não, não. Calma que ela tá chegando -garantiu um Olívio parecendo já estar vendo sua amada.
Não demorou e Célia apareceu. Sorridente, cabelo soltou e brilhoso, com um sorriso malicioso, deixando Olívio alegre e Mário sem entender o local de onde a moça desceu.
Com uma cara de espanto e sem coragem para nada falar, Mário caminhou com os dois pela 13 de Maio em direção à Presidente Vargas. O amigo de Olívio estava com a cabeça cheia de pensamentos. Por que aquela mulher saiu de um lugar tão estranho? Por que Olívio não me disse onde ela trabalha?
As cerpinhas que os dois tomaram antes de encontrarem Célia deixaram Mário meio atônito, com a língua coçando para fazer muitas perguntas ao amigo.
-Vamos parar aqui para tomar uma Mário? eu pago! - convidou Olívio parecendo que havia recebido o pagamento do mês. -Bora -respondeu Mário, embora estranhando a atitude do amigo, considerado "mão de vaca", daquele tipo que preferia que pagassem pra ele.
Os três sentaram no Bar do Portuga, já perto da Presidente Vargas. Mário, sempre desconfiado do "moral" que Olívio ganhara depois que Célia apareceu.  A gelada rolou solta. Não era mais Cerpinha, mas a de 600ml, da grande. Célia mostrou ser boa de copo, e Olívio nem se fala. Como ele sempre dizia: "beber eu bebo e até amanheço, agora tóxico não é comigo. Mesmo porque, maconha, que a turma vende la no meu bairro vende direto, é tóxico de pobre".
lá pelas 22 horas já tinham uma 11 geladas na mesa. Mário, que morava em Icoaraci, era quem se preocupava mais com a hora. 
Antes da chegada da conta, Mário foi ao banheiro, demorou uns três minutos, e quando ia chegando na mesa, viu Célia dar umas três cédulas de 50 reais para o parceiro Olívio. Arregalou os olhos espantado, mas na hora, ficou calado. Minutos depois,  aproveitou quando Célia foi ao banheiro  para satisfazer toda sua curiosidade para perguntar:
-Ei cara, qual foi essa aí? Vi a gata te dar uma grana. Ela recebeu hoje?
-Que nada, mano. Ela recebe é todos os dias. Temos uma sociedade. Todos os dias ela vai trabalhar a partir das 13 horas e fica até seis, sete horas e com isso garante diariamente uma boa grana. Dividimos e assim somos felizes.
-Mas como ela consegue ganhar tanto dinheiro em tão poucas horas? É comércio?
-Na realidade, não deixa de ser, meu caro. Só que ela é a grande mercadoria. Usa esse corpão que Deus lhe deu todas as tardes lá no Xendengo para faturar pra nós. E eu né, meu caro, parei de me preocupar com meu salário na indústria de castanhas. Nem vale recebo mais, porque tenho grana todos os dias -pavulava-se um Olívio desconhecido para o amigo Mário.
-Poxa, rapaz, mais isso é prostituição, e tu estás explorando a mulher! -quase gritou alarmado Mário, no momento em que Célia chegava do banheiro.
-Calma meninos, o que está havendo? algum problema? por que vocês estão falando tão alto? -perguntou a namorada de Olívio quase sorrindo, pois escutara o final da conversa dos dois amigos.
-Nada. O Mário está estranhando o seu trabalho -respondeu Olívio sorrindo.
-Olha Mário, o Olivinho é meu namorado e meu empresário. Ele que organiza nossa vida, nosso dinheiro. Estamos nos preparando para viver juntos. Ele fazendo o trabalho dele na fábrica de castanha e eu no Xendengo. Nem eu nem ele temos ciúmes. Ele me apanha todos os dias, só não domingo, lá perto do meu trabalho, e saímos tranquilos. Sempre tomamos umas e depois vamos nos amar -disse Célia com ar de muita tranquilidade.
-Égua. Muito estranho! -admirou-se Mário.
-Por que? Meu querido, isso não estraga. Lavou tá novo. E outra coisa: fica bem limpinho, eu cuido bem pra ele -concluiu Célia,jogando todo seu charme para Olívio e Mário.
-E eu nunca como "pão com manteiga" porque tá sempre limpinho, e ela sabe que eu sou exigente, não é nega? -garantiu um Olívio risonho expondo toda sua malandragem ao estupefato amigo Mário.
Mário preferiu sorrir com o canto da boca, se despediu e correu para pegar quase o "Cristo" de Icoaraci.