quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

UM FINAL NADA FELIZ

Renato estava de passagem por Belém. Vinha de Recife, convidado que foi pelo amigo Antonio, também pernambucano, que morava aqui já há algum tempo. A proposta era passar uns 10 dias, pois estava aproveitando que havia saído de um emprego, mas gostou tanto da cidade, que resolveu ficar um mês. O dinheiro que trouxera já era para ter acabado, mas como o amigo Antonio pedira para ele deixar o hotel e o hospedara em sua casa, a grana estava rendendo mais que dobrada.
Todos os dias tinha um passeio. Ou ia só ou com Antonio, que saia do trabalho às seis da noite e sempre se encontrava com o amigo. Era um dia no Trapiche, outro no Ver-o-peso, num boteco do centro da cidade. Renato adorava quando iam para Icoaraci. Achava a Vila Sorriso um local diferente. "É perto do centro da cidade, mas tem uma vida própria, e as garotas são lindas", comentava quando alguém lhe perguntava porquê de gostar tanto da Vila.

UMA GATA DIFERENTE

Um dia, à tarde de uma sexta, foi para um bar na Doca. Sentou só. Perto das 19h chegou Antonio e notou que o amigo estava em uma mesa com uma jovem muito simpática. Pediu licença e falou com  Renato que foi logo lhe apresentando Marcela. Moça bem clara, de olhar forte, sorriso tímido, e muito comedida, o que demonstrava que era desconfiada.  Antonio sentou, conversou mas em poucos minutos Marcela pediu licença e voltou para a mesa onde estava com uma amiga e o namorado desta.
-Quem é a gata, Renato? -perguntou curioso Antônio.
-Conheci agora. Chamei aqui, não quis vir, mas depois veio. Acho que não resistiu ao meu charme -brincou sorrindo Renato.
-Olha cara, pelo traje e pela educação, isso não é moça da periferia, não.  Tem cara de quem é bem nascida -garantiu Antonio.
E de fato Marcela era, como analisou Antonio, bem nascida. De uma família tradicional, seu pai era militar da aeronáutica, já falecido. Ela vivia com a mãe e um sobrinho de seis anos, filho de sua irmã. Era a filha caçula, estudava, mas sua mãe queria mesmo era que ela casasse, pois não queria morrer sem ver sua filha mais nova muito feliz.
Minutos depois da chegada de Antonio, Renato foi convidado por Marcela para ir pra sua.mesa  Antonio preferiu não atrapalhar e ficou sozinho, assistindo o show de dois cantores da terra.
No outro dia, Renato marcou com Marcela e foi, desta feita, sozinho para o Bar. Ficou com ela até tarde e, por volta das 23 horas um carro veio apanhar a moça. Uma mulher ao lado do motorista desceu, Marcela lhe apresentou Renato, se despediu deste e entrou no veículo. Renato foi para sua casa de ônibus, já tarde.
Os dois continuaram a conversar diariamente. Se encontravam à noite quase todos os dias. O namoro se evidenciava e Marcela quis levá-lo em sua casa.
-Mamãe está querendo lhe conhecer -convidou Marcela a Renato.
-Você não acha que ainda é cedo? -retrucou ele, como quem não quisesse ainda conhecer a sogra.
-Claro que não. Ela não quer que eu fique saindo com desconhecidos. E até você conhecê-la é um desconhecido -ponderou Marcela. -Pelo menos para ela -completou.
E os dois marcaram para irem conhecer a mãe de Marcela. Ao descerem do táxi, meio tímido, Renato foi apresentado à dona Augusta, mãe de Marcela.
-Renato fique à vontade. A Marcela fala muito em você -falou dona Augusta toda solícita
-Obrigado. Estava esperando esse dia. Gosto muito da Marcela e ela insistiu para que viéssemos, felizmente deu certo hoje -agradeceu Renato.

O GRANDE SEGREDO

Depois dalí os encontros foram sempre na casa de Marcela. Renato, que recebera uma proposta de emprego, recusara, a conselho de dona Augusta. -O salário você falou que é muito baixo. Espere uma coisa melhor. Enquanto isso, você fica dirigindo pra mim que eu lhe pago melhor -disse dona Augusta, querendo cada vez mais conquistar Renato.
Renato já era um membro da família. Aos domingos, era natural irem para Mosqueiro ou Salinas. Não interessava o período, dona Augusta queria sua filha caçula feliz.
-Estou numa idade que para mim,  Marcela é que é importante. A felicidade dela é a minha! -dizia sempre dona Augusta para os amigos que viam o sorriso no rosto dela e de Marcela.
Antonio, por sua vez, só via Renato à noite, quando este chegava já bem tarde.
-A mãe de Marcela quer que eu durma lá, já reservou até um quarto, mas eu não quero. Acho que é muito comprometimento -dizia Renato para o amigo.
-Fosse tu eu dormiria. A mulher não convidou, rapaz? -dava corda Antonio.
Marcela estava realmente enamorada. Nunca havia namorado uma pessoa para ficar tão agarrada, tão dependente.
-Acho que Renato é o homem da minha vida -confidenciava Marcela à Ritinha, sua irmão mais velha.
-Acho ele simpático e muito educado -completava Ritinha.
Renato ganhava assim o carinho de toda a família de Marcela. Se era dona Augusta, os paparicos eram visíveis. O sobrinho, Claudinho, sapeca, só se tranquilizava quando Renato brincava com ele.
O rapaz quando estava com Antonio, confidenciava que tinha medo de dizer para Marcela que era casado e separado. Que havia uma ex-mulher em sua vida e que tinha inclusive um filho, de cinco anos.
Tá ruim pra eu sair dessa. Ela confia em mim, gosta de mim. A família dela é muito legal, mas eu não tenho coragem de confessar pra ela que sou separado, que não posso casar, que tenho um filho. Tá pegando pra mim! -lamentava-se Renato, se mostrando impaciente com a situação.
Foi numa tarde, quando os dois estava em Icoaraci, tomando uma água de coco, que Renato resolveu abrir o jogo para Marcela.
-Meu amor, tenho que lhe contar um segredo que trago comigo e que está me perturbando -confessou Renato.
-Fale, amor. Quero saber de tudo de você -falou Marcela, embora um pouco preocupada.
-Venho de uma relação, que acabou há seis meses. Não tenho mais nada com ela, mas tenho um filho. Um garotão de cinco anos.
-Meu Deus. Por que você não falou antes, Renato?
-Estou falando agora. Estamos namorando só há três meses. Então não acho que escondi nada -respondeu.
-Ta certo, ta certo, e onde está essa mulher, essa criança?
-Está com ela, em Recife. Pretendo ver em breve, porque afinal é meu filho, né?
Os dois, depois dessa rápida conversa, decidiram voltar pra Belém. Renato dirigia com a cabeça cheia de pensamentos. Imaginava como seria a relação doravante. Como dona Augusta iria reagir quando soubesse? E a Marcela, iria aceitar a situação? Ela, que sonhava em casar de véu e grinalda!
Foi Marcela quem quebrou o gelo. -Olha, temos que falar para a mamãe. E se possível hoje -disse Marcela.
-Tudo bem. Eu  por mim, resolvo hoje também. Tem que saber como ela está. Você não acha melhor conversar sozinha, depois me passar a reação dela? -perguntou Renato.
-Pode ser. Mais tarde, antes de dormir eu converso numa boa com ela.
-Ok. Mas é importante que você também já tenha decidido o que fazer, pois eu não tenho nem como me divorciar agora -lembrou Renato à namorada.
Dona Augusta recebeu a notícia muito tranquila. -Minha experiência já dizia que o Renato era ou pelo menos já tinha sido casado, minha filha -garantiu.
-Nossa, como a senhora adivinhou mamãe?
-Como te falei, filha: minha experiência de vida me dizia isso -completo dona Augusta.
No outro dia Renato chegou cedo e foi muito bem recebido por dona Augusta -Oi, filho. Tudo bem?
-cumprimentou.
--Tudo certo, dona Augusta
Acho que a Marcela tem novidades para você -disse.
Qual será a novidade? -pensou se perguntando Renato.
Marcela foi receber o namorado com um sorriso. A mãe havia entendido tudo e até se oferecido para trazer o filho de Renato para Belém.
-A mamãe recebeu a notícia tranquila. Perguntou se eu gosto mesmo de você, se quero casar com você. Respondi que queria! -disse Marcela sorrindo para o namorado.
-Ok. Estou feliz por ela ter entendido -sorriu Renato.

O CASAMENTO

Os dois decidiram que ficariam noivos duranre a semana. Ao receber a noticia, dona Augusta de um presente aos dois: um fim de semana só deles dois em Fortaleza. mandou Renato apanhar as passagens e marcar para sairem de lua de mel antes do casamento.
-Sua mãe não existe, Marcela -falou emocionado.
-Mamãe quando gosta é assim -garantiu Marcela.
Os dias em Fortaleza foram maravilhosos. Todos os dias Marcela falava com a mãe, dizendo de sua felicidade de estar a lado do homem amado. Conheceram vários lugares: foram à Canoa Quebrada, Morro Branco, Cumbuco e outras localidades. A Praia do Futuro era u dos cenários quase diário deles quando não estavam pelo interior.  Todas as tardes passavam se deliciando pelos locais turísticos da capital alencarina.
Renato estava maravilhado com tudo aquilo. Não imaginava que existisse uma pessoa como dona Augusta, que tudo fazia para agradar a filha caçula e de tabela a ele..
Quando retornaram de Fortaleza o casal foi surpreendido com a notícia dada por dona Augusta: -vamos marcar o casamento de vocês já para o próximo mês.
-Mas mamãe eu não estou grávida para ser assim tão apressado! -estranhou Marcela
-Minha filha eu quero que vocês casem logo. Eu quero netos! -disse dona Augusta.
Ao receber a notícia Renato nada falou. Mas como Marcela, estranhou a pressa de dona Augusta.
Correu para dar a noticia a Antonio, o amigo de quem estava praticamente isolado.
-Rapaz não sei o que deu na velha, mas ela quer que casemos já no próximo mês!
-Égua bicho, e pelo que vejo, nem emprego tu tens, né? -perguntou Antonio.
-Não tenho emprego certo, mas fico direto trabalhando para a sogra, e toda semana ela me dá uma grana boa! -garantiu Renato sorridente.
Nesse dia, os dois amigos comemoraram como não faziam há muito tempo. Beberam muitas cervejas por conta de Renato. Marcela ligou umas três vezes para casa de Antonio pra falar com o futuro marido. Mas Renato preferiu não atender. Explicaria tudo depois.
Renato voltou perto das 19 horas para a casa de Marcela, onde já estava praticamente  morando. Dona Augusta preparara um quarto para os dois pombinhos.
Mas a cabeça de Renato não era tão fria como ele deixara transparecer para o amigo Antonio. Tinha várias preocupações. Mas a principal era de como seria o casamento, já que era casado nos dois, civil e católico.
-Como vamos fazer pra casar, se já sou casado? -perguntou à noiva.
-Deixa que a mamãe resolve isso. Você sabe que ela tem muito conhecimento - lembrou Marcela.
Dona Augusta, conhecida nas rodas sociais, com amizade que ia de juízes a cartorários, tentava resolver o problema do divórcio de Renato.
-Meu filho há quanto tempo você já separado? -perguntou à Renato.
-Já está quase fazendo um ano, dona Augusta.
-Você não quer logo dar entrada no seu divórcio?  Não se preocupe que eu banco tudo -disse a sogra.
-A senhora é quem sabe.
-Então vamos marcar uma cerimônia em família em minha casa enquanto tramita os papéis do divórcio. Mas vocês para todos os efeitos já serão casados. Pronto! -determinou dona Augusta.
E foi o que foi feito. Menos de um mês depois, num sábado à noite, a casa foi toda enfeitada com flores vermelhas. Renato ganhou um terno novo feito por um famoso alfaiate da cidade. Marcela esnobava um vestido branco, abeto ao lado, com detalhes de ouro na parte superior. Uma coroa enfeitava seu belo cabelo, penteado num salão exclusivo para ela, que foi penteada por cabeleireiros especializados em casamento.
Renato demonstrava um nervosismo natural. Nunca tinha visto tanta gente elegante junta. Era cada senhora com o vestido mais rico. Eram só os familiares de os amigos e  amigas mais íntimos da família e de Marcela.
Por volta das 20 horas entrou um senhor de smoking, cabelos meios grisalhos e um livro nas mãos. Era um famoso advogado e membro da sociedade que, ele soube logo, faria o casamento. Não era juiz, mas para os presentes, estava fazendo aquele casamento social, na própria casa da noiva, para sair nos jornais e impressionar.
Antonio, o grande amigo de Renato, estava presente. Alugou um terno, pago por Renato, que estava com uma grana boa para o dia do casamento, e foi pra festa. Era o único "parente" de Renato presente.
Os primeiros meses de casado de Renato foram também de quase total desaparecimento da casa e pressuposto da convivência com o amigo Antonio. Até mesmo os telefonemas que dava uma ou duas vezes por semana para saber como estava o amigo, acabaram. Renato alegava, quando Antonio ligava e conseguia falar com ele, que Marcela era ciumenta.

O DESESPERO E A FUGA

-Rapaz é demais. Tô que não aguento. Não posso dar um passo que ela quer saber. Cruz credo -reclamou quando Antonio conseguiu que se encontrassem para tomar uma, em seu aniversário.
-Mesmo? É, sendo assim, te entendo!
Conversaram, beberam, mas Renato pouco falou do real problema que estava vivendo. Sem coragem para desabafar, continuava com sua sina de conviver com o ciúme doentio e o controle de suas ações por parte da mulher e de dona Augusta, que não se metia, mas aceitava que a filha "controlasse" o marido.
Desde o último encontro entre os dois, Renato passou a ligar com mais assiduidade para o amigo. Conseguia fugir e até se encontrar uma e até duas vezes por semana com  Antonio. Numa dessas vezes, Renato se abriu e confessou que não aguentava mais.
-Vou embora. Vou sumir daqui, cara. Tá complicado pra mim. Me sinto um prisioneiro. Não saio de casa a não ser com a Marcela ou a mãe dela. Não tenho liberdade pra ir nem no comércio sozinho. Tô frito. Tenho que me mandar de qualquer maneira -sentenciou Renato.
Sem nada entender, mas procurando compreender a repentina decisão do amigo, quis saber o que estava realmente acontecendo entre Renato e a esposa. Renato preferiu não falar muito sobre o assunto intimo com sua mulher, mas marcou uma visita à casa de Antonio para o dia seguinte.
Por volta de meio dia, Renato avisou a Antonio que iria para sua casa mais ou menos às 14 horas. 
-Prepara uma cerveja que vou pra tua casa e vais ter uma surpresa -disse para Antonio.
-Já estou te esperando Não vou nem trabalhar hoje a tarde.
Antonio mandou comprar seis cervejas. Pediu para a vizinha Natercia  fazer umas calabresas para tirarem o gosto e esperou a chegada do amigo.
Por volta das 14,30h Renato chegou. Trazia uma maleta e uma sacola pequena. Ficaram tomando gelada e conversando. Renato se abriu totalmente com o amigo. Disse que na verdade nunca gostou de Marcela ao ponto de casar.
-Acho que errei porque me empolguei -confessou ao amigo.
-Sim, mas o que tu queres fazer? -indagou Antonio
-Vou embora. Volto pra Recife hoje mesmo. Saio daqui direto pro terminal. Não vou falar pra ninguém;  só tu sabe disso! -garantiu Renato.
Aquela foi a tarde cujo tempo mais demorou a passar para Renato. Olhava para o relógio toda hora. Havia comprado passagem para as 18,30h. 
Enquanto aguardava a hora de partir, Renato metia a carra na gelada. Já tinham comprado mais meia dúzia de cervejas e já estava acabando. Decidiram, como já era 16,30h, comprar mais três.
Enquanto isso o telefone da casa de Antonio tocava toda hora. Já tinha tocado uma seis vezes. Ele quando atendia dizia que não tinha noticia alguma do amigo Renato. Na última vez que Marcela ligou, ele disse que iria sair para resolver um problema. Ela disse0lhe que estava preocupada, que iria no IML e até no aeroporto. -Tenho que encontrá-lo! -repetia marcela a roda hora.
Renato preferiu sair da casa de Antonio por volta das 5,30.  Pegou um ônibus e chegou ao terminal antes das 18 horas, Conseguiu embarcar sua maleta e sua pequena sacola e ficou observando uma possível chegada de Marcela. Não queria ter a surpresa de encontrar a mulher tentando lhe impedir de partir.
Por volta das 18,10 entrou apressado no veículo que iria direto para Recife. De longe, o amigo Antonio ficou a lhe observar, já que sem saber, seguiu o amigo e ficou na espreita de uma possível surpresa que ele poderia ter. Precisamente às 18,32 o ônibus de Belém pra Recife partiu. Com ele levou Renato e o final do sonho de amor de Marcela. 

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