sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

LINDINHA, A GATA ENCANTADA

Júnior nunca demonstrara ser um apaixonado por animais. Tudo bem que quando ouvia histórias de cachorros, gatos e outros animais domésticos, ria e batia sempre uma certa curiosidade em ter um bichinho para ver como era criar um animal. Às vezes ele ajudava uma amiga ou amigo quando precisavam ir ao veterinário. E só.  Seu temor maior era porque como sempre residiu em apartamento, pensava duas vezes quando lhe ofereciam um para criar.
Foi Ana, uma amiga sua, namorada de Carlos, quem praticamente o obrigou a ficar com uma gatinha mestiça de siamês com vira lata, marrom e branca, que aparecera perto de sua casa.
-Fica com ela Júnior. A coitada vive na rua sendo perseguida por cachorros e gatos maiores. É novinha, tem poucos meses de vida, não tem nem um ano e parece já estar gestante, a mamãe que falou. Faz essa caridade com esse pobre animal! -implorou Natália ao amigo.
-Impossível, mana. Lá em casa não tem nem local pra ela ficar. Moro com meus pais em apartamento, e tem três quartos: um meu, outro do meu irmão e um dos meus pais. Não dá pra ela ficar em nenhum deles, né? -respondeu Júnior, deixando claro que enfrentaria uma situação difícil se pegasse a gata.
Mas, mesmo enfrentando toda essa problemática, Júnior ficou penalizado com a situação da gata. Foi pra casa e imaginou uma situação positiva para a bichana. Imaginava a gata sendo molestada por gatos de rua e até perseguida por cachorros. Chegou a oferecer a amigos, pessoas de seu trabalho, da faculdade, mas ninguém queria.
-Já tenho dois gatos em casa -disse-lhe Clarissa.
-Porra, lá em casa é uma verdadeira creche de animais. Tem passarinho, um gato e um cachorro já com quatro anos. Ainda bem que eles conseguem viver sem brigas -respondeu desconversando  Robson, colega de Júnior da faculdade.
Todos os dias, quando chegava em casa, Júnior tentava falar com seus pais e seu irmão sobre a gata. Procurava um meio de tirar a gatinha da rua, dos perigos que a rua oferece para todos, e para os animais muito mais ainda. 
Pensou até em abrigá-la em seu próprio quarto. Tentaria mantê-la escondida de seus pais, somente para fazer um bem. Pensou várias horas na noite. Mas ao mesmo tempo imaginava nas despesas com veterinário, nos gatinhos que iriam nascer, onde ficariam?  E como ele conseguiria alimentar a gata e a todos os pequenos?

UM LAR PARA A GATA

De tanto pensar, Júnior de repente teve uma ideia: o quarto de empregada, que desde que Anita havia saído estava praticamente sem uso, a não ser como uma despensa. Pensou com seus botões: "a mamãe só usa o quarto que era da Anita para estender roupa.  Ou então para guardar alguma coisa que não se usa. Acho que dá para a gata ficar lá" -raciocinou.
Não pensou duas vezes, decidiu arriscar. Ligou para Natália e pediu pra ela pegar a gata, dá um banho que ele à noite talvez fosse pegá-la. 
Nesse dia Júnior chegou em casa depois das 23 horas. Sua mãe já estava dormindo e seu pai na sala via o final de um filme. Entrou pela porta da cozinha e se dirigiu quase que sorrateiramente para o ex-quarto de empregada. Seu pai estranhou sua demora para aparecer na sala e foi ver o que havia, mas não desconfiou de nada. Viu apenas que Júnior tinha trazido uma caixa. -Que é isso? -perguntou-lhe o pai. -Nada -respondeu Júnior seguro.
Muito cedo, dona Jane, mãe de Júnior, ouviu um barulho esquisito no quarto que servia como despensa, e foi ver. -Que é isso, quem trouxe esse gato pra cá? -perguntou assustada. Como ninguém respondeu ela foi logo com os meninos, Douglas e Júnior. -Mamãe, foi eu que trouxe, mas só por uns dias -se acusou Júnior. -Na segunda feira eu devolvo. É de uma amiga, porque ela está se mudando e não tem como cuidar. Mas me responsabilizo por ela -garantiu.
Júnior saiu logo de casa para providenciar uma caixa para a gata fazer suas necessidades, comprar uma vasilha para por a comida e a água e o principal: ração para o animal, que a partir daquele momento passou a ter uma residência fixa, pelo menos até a palavra final de seus pais.
Nesse dia, a gata passou o tempo todo no quarto. Ninguém ousava chegar perto dela. A fama de ser da rua amedrontava a todos. Menos ao Júnior, que chegava perto, dava comida, deu até banho. A gata não o estranhava, mas com os outros tinha comportamento diferente, olhava muito desconfiada.
Passaram-se os dias e Júnior não falava em levar a gata de volta. A gata, enquanto isso, já começara a andar pela casa. Um sofá, que ficava no quarto de Júnior, foi para o hoje quarto da gata, que ganhou o nome de Lindinha. 
Dona Jane e seu Mário, os pais de Júnior, em poucos dias passaram a sentir um certo afeto pela gatinha. Daí começaram a pensar em ficar definitivamente com a gata. Era notório que Lindinha começava a conquistar a todos da casa.  Desta feita, foi fácil e unânime a decisão da permanência da gata na casa. Até Douglas, irmão mais novo de Júnior, sempre meio arredio,  se pegava sempre brincando com a gata.
Com pouco mais de um mês em sua nova residência, Lindinha ganhou o carinho definitivo de todos.
Quem tem ou já teve um gato ou uma gata de estimação sabe o quanto esses felinos são carinhosos e gostam de também receber muito chamego. indinha é assim: esperneia, se deita, pula, e tem sempre para todos da casa um olhar de amor, de carinho, parece estar sempre pedindo colo, chamego.
Seu Mário, o pai,  sempre foi o mais apegado com gata, que a cada dia demonstrava estar mais perto de ganhar seus filhotes, embora Júnior, definitivamente, era o predileto de Lindinha. Mas foi seu Mário, também, além de ser quem mais se preocupava em colocar a comida da gatinha pela manhã e à noite,  foi quem fez a descoberta que Lindinha não bebia água na vasilha que havia sido comprada especificamente pra isso. -Ela só bebe na torneira, ou seja, só quer água corrente -dizia o pai de Júnior estranhando o comportamento da gata.

LINDINHA, A GATA, E SUAS MANIAS

A realidade é que Lindinha rejeitava e não bebia água de maneira nenhuma na vasilha. Era sempre vista e retirada de um dos banheiros bebendo água na pia.
-Tudo bem, mas no meu quarto eu não quero. Ela pode beber em qualquer pia, mas na do meu banheiro não -deu o veredicto dona Jane. 
Mas Lindinha era teimosa. E apesar de já ficar em cima da mesa, nas cadeiras, no sofá da sala sem ser incomodada,  era sempre retirada de um dos banheiros da casa, do casal ou dos meninos. Ela não queria de maneira nenhuma usar a pia do banheiro do quarto que lhe foi destinado e onde estava sua caixa com a areia para as suas necessidades. Parecia querer marcar terreno, mostrando que tudo na casa era seu.
Lindinha com seu charme encantava a todos. Já sentava com seu Mário no sofá da sala, com dona Jane quando ela ficava zapeando e sempre estava nos braços de Júnior, que era quem mais a paparicava e era também o mais chameguento por parte dela. Douglas era o menos ligado à ela, mas vez por outra  era visto brincando com a gatinha.

NASCIMENTO E MORTE DOS FILHOTES

Com mais ou menos dois meses na casa de Júnior, Lindinha deu a luz a quatro gatinhos.  No outro dia após o nascimento, já amanheceu um morto. Ela não largava os gatinhos, protegia até de olhares,  mas talvez por inexperiência, eles não conseguiam mamar adequadamente. Tanto que três dias depois de nascidos só restava um gatinho. O pequeno era arrastado pela mãe que parecia superproteger entendendo que de seus quatro filhos, só restava um.
Depois de uma semana o gatinho já se arrastava de um lado para outro. Era uma luta para ninguém pisar no minúsculo animal, porque ele se metia em todos os lugares. Só parava quando sua mãe o arrastava para dar de mamar. 
Crescendo, o gatinho observava sua mãe que ficava na varanda do apartamento. Ela  parava, olhava  para baixo, para cima, observando os passarinhos ou outros bichinhos voadores. 
Um dia, o gatinho desapareceu. Quando sentiu falta do filho, Lindinha ficou correndo de um lado para outro procurando o filho. Mas a notícia veio logo depois pelo interfone. Foi o porteiro quem deu  a notícia de que o corpo do pequeno gatinho fora encontrado sem vida. Ele, inocentemente, se jogara do nono andar e morrera.
Lindinha não se cansava de andar perdidamente pelo apartamento.  E estranhava até ao Júnior. Ia para a varanda e olhava lá de cima, parecendo querer se jogar à procura do filho.
Passou vários dias assim. Mas com alguns dias a tristeza passou. A gata voltara a brincar mais com todos.
Poucos meses após perder seus filhos, Lindinha começou  a passar a noite em claro. Chorava, miava quase a noite toda. Ninguém conseguia dormir com o choro da gata.  Júnior consultou a várias pessoas e falaram que ela estava no cio. -Todo cuidado é pouco. Ou dá injeção ou castra -falou sua amiga Clarissa. E foi o que foi feito. Lindinha foi levada a um veterinário que a castrou. A gatinha sofreu vários dias, foi feito curativo, mas enfim Lindinha estava sã e salva, tranquila.

LINDINHA, O XODÓ DE TODOS

Hoje, um ano depois, Lindinha é um membro da família. Todos os dias às seis da manhã ela está na porta do quarto de seu Mário aguardando que ele ponha sua comida e depois abra a torneira para ela beber água. Após estar alimentada e matar a sede, Lindinha fica à espera de que os moradores da casa um a um se levante para pular em cima, querendo carinho. Júnior ainda é o bem amado dela. Simplesmente porque a põe nos braços e libera sua cama pra ela dormir quando ele não está. É cheirosa, presta atenção a tudo e sempre se senta ao lado de quem está vendo TV na sala, principalmente seu Mário.
-É uma criança. Brinca, presta atenção a tudo, reclamava quando não lhe dão atenção, é uma gata encantadora. Aliás, uma gata encantada.
Essa é Lindinha.

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