segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A DAMA DO VER-O-PESO

Quem frequentou a antiga feira do Ver-o-peso, na década de 90, antes da reforma feita pelo prefeito da época, Edmilson Rodrigues, deve ter conhecido ou pelo menos visto muitas vezes, a Adélia. Morena baixinha, corpo esguio, cabelo cacheado, era frequentadora diária da velha feira. Adélia dançava, bebia, sorria e transava com o cliente que lhe interessasse. Alguns diziam que se prostituía,. Tudo indicava que Adélia fazia vida no Veropa de guerra. Porém, era querida por todos e simpática, principalmente quando não estava bebendo.
Ninguém sabia na verdade sua origem, se tinha familiares, se tinha filhos, se tinha residência. Alguns comentavam que Adélia  havia sido casada, mas separou-se "não se acostumou a viver presa", como falava as suas amigas de copo.
Quando estava sem beber -e isso era raro!- Adélia era a simpatia em pessoa. Fazia pequeno mandados e era comum vê-la fazendo as unhas "mão e pé" em algum lugar da feira.
Suas roupas caiam bem em seu corpo esguio. Shortinho curto, blusinha que deixava sempre a barriga de fora e o cabelo longo e solto em cachos brilhosos. Era vaidosa e sempre estava bem vestida.
Adélia era jovem, pouco mais de 20 anos. Sorria sempre que alguém tirava uma graça, mas virava uma fera e discutia feio quando alguém falava de seu time de coração, o Clube do Remo.
De repente Adélia desapareceu. De um minuto para outro a bela morena, adeira cativa na feira, não foi mais vista. Uns diziam que ela havia ido para uma boate que havia sido inaugurada na Cremação. Outro garantia que havia visto a morena na Feira da 25. Na verdade, Adélia havia desaparecido mesmo. E com certeza não tinha acontecido nada de mal com a aquela que muitos chamavam de Dama do Ver-o-Peso, pela sua simpatia e pelo jeito simples de se comunicar com quem ela conhecia.
Adélia tinha clientes fixos. Fábio, que muitos diziam que era vice prefeito de uma cidade do interior era um deles. Sempre estava com ela, pelo menos uma ou duas vezes por mês, quando vinha de sua cidade no arquipélago do Marajó, para Belém.
Fábio era frequentador sempre de uma mesma de barraca, e quando começou a sentir falta de Adélia, passou a procurá-la por todo Ver-o-peso, de barraca em barraca. Ninguém informava o paradeiro da garota. As informações eram sempre desencontradas. Chegou a ir por três vezes, dois dias seguidos, na Feira da 25 na intenção de encontrar sua morena lá. Tudo em vão.
Uma das vezes, já desencantado com a procura em vão há bastante tempo, Fábio embriagou-se e chorou como uma criança desmamada em uma mesa. Embriagado, caiu por cima da mesa equase acidenta, pois na queda quebrou algumas garrafas de cervejas que se avolumavam na mesa depois de quase um da inteiro. "Queria pelo menos saber onde ela estava, com quem estava. Eu prometi que iria viver com ela" -disse o apaixonado Fábio, conhecido como vice prefeito, para a dona do bar no Ver-o-peso.
Dessa declaração de amor quase em público de Fábio surgiram vários boatos. Um deles foi de que  Adélia tinha engravidado e havia ido para Cachoeira do Arari, onde pretendia ter seu bebê junto com sua família.
Mais uma estória. Tudo lorota. Pessoas que conheciam Adélia mais a fundo desmentiram o boato dizendo que a morena era realmente do Marajó, mas de Ponta de Pedras, segundo uma moça que apareceu e se identificou como prima dela, que sempre vinha a Belém e que já a havia procurado em vão e garantiu que lá pelo interior Adélia não tinha dado as caras.
Passado pouco mais de dois anos, o Ver-o- peso já estava em suas novas instalações, muita gente nova, novos barraqueiros, mas com muitos remanescentes da velha feira ainda em atividades, uma tarde aparece uma moça muito bem vestida, com joias vistosas e uma cabelo muito bem cuidado. Muitos juravam que ela era muito parecida com a Adélia, talvez pela altura e pelos traços, embora essa estivesse com uma aparência bem diferente, bem mais fina, bem cuidada. Nos dois primeiros dias que foi ao Veropa, bebeu todas e sempre acompanhada de um senhor loiro, olhos claros, aparentando uns 45 anos. 
-Sou capaz de jurar que aquela moça morena com aquele gringo é a Adélia -garantiu uma senhora antiga barraqueira.
-Pior que parece pra porra -disse seu companheiro, também veterano na feira.
Mas ninguém se aventurava a perguntar, embora os mais afoitos tentassem saber se ela falava português ou se tinha "a língua enrolada", como dizem.
Mais ou menos no quarto ou quinto dia seguido, pulando de barraca em barraca, és que a morena com seu gringo a tiracolo, foi numa barraca de uma velha conhecida. Chegou por volta das 13 horas, comeu uma porção de gó frita, pediu uma gelada e só falava com seu companheiro na língua dele, que ninguém sabia se era inglês ou outra. 
Já perto das 19 horas. o gringo já estava legal, e a morena que alguns juravam ser Adélia, não perdia a pose, embora já demonstrasse um ar de que o peso da bebida estava chegando.
-Conheço isso aqui como a palma de minha mão -soltou de repente, em bom português bem paraense a morena para a dona do bar. -Vivi pelo menos oito anos de minha vida nesse Ver-o-peso, só que não era assim, era escroto todo! -continuou.
-Meu Deus, não me diga que você é quem eu estou pensando -disse a dona da barraca
-Sou sim. Sou a Adélia mesmo. Reconheci a senhora também, desde segunda feira, o primeiro dia que vim aqui. Só que estava criando coragem pra falar. A senhora sabe, né, minha vida hoje é outra -
completou a hoje a vistosa e elegante morena, meio grogue, mas bastante consciente do que falava.
Daí foi só abraços e beijos. O gringo sorria muito, embora não entendesse nada. Alba, a dona da barraca, foi logo comunicar aos mais antigos e ao marido que não estava na hora, que Adélia estava na área, "no nosso Ver-o-peso querido".
Nesse dia a festa continuou até perto das 23 horas e seria por conta da empolgada e feliz barraqueira dona Alba, se Adélia não tivesse interferido e praticamente ordenasse que era por conta dela. -Meu marido é quem vai pagar tudo. Ele quem me encorajou de falar. Como prêmio, vai pagar gelada para todos os amigos que vierem, pode convidar -gritava uma feliz Adélia, que aos amigos, embora com a voz um pouco embaraçada pela  contou sua nova vida.
-Moro há quase três anos na Holanda. Graças a Deus e ao meu marido holandês minha vida mudou.
O conheci aqui mesmo, numa tarde, não estava nem bebendo.  Ele começou a me olhar, conversamos, começamos a beber e dai vocês imaginam o resto. Confesso pra vocês que deve ter sido a primeira vez que senti prazer em fazer amor. Muito delicado, cheiroso e sem me exigir nada, o Jordan me conquistou de primeira e eu também o conquistei, né? -confessava uma Adélia sorridente, sensível,  feliz e muito humana, misturando chorro e riso de emoção ao rever pessoas de sua época de "Dama do Ver-o-peso. 
Jordan, o marido holandês, pouco falava. Preferia sorrir, demonstrando participar daquele êxtase de felicidade de uma ex-pobre moça que praticamente renasceu para a vida, mas que não perdera sua origem humilde. 
No outro dia Adélia só foi no Ver--peso para se despedir das velhas conhecidas. Ia para o Marajó, Para Ponta de Pedras, onde não ia desde que deixou Belém, embora mantivesse contato cm sua família, principalmente pai e mãe. "Vou aproveitar uns dias com minha família", disse à dona Alba.
Desde que fora para a Holanda , Adélia estava ajudado seus pais. Conseguiu comprar uma boa casa para os velhos e montou uma venda para seu irmão garantir uma renda para seus pais.
A antiga Dama do Ver-o-peso agora era uma dama realmente. A sorte ou o amor, batera em sua porta. E ela, como boa, marajoara, não deixou passar. Hoje era a sra. Jordan, residia na Holanda e tinha cidadania holandesa e europeia.

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