sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

PÃO COM MANTEIGA

Olívio da Silva não parava de perguntar as horas a todos os colegas de trabalho. Malandro diplomado, como ele próprio dizia, não falava pra ninguém, mas tinha um encontro marcado na boca da noite, mais ou menos entre as seis, sete horas,
-Égua mano, dá oito mas num dá sete horas! -resmungava a todo momento.
Tipo seis e meia saiu do trabalho e se dirigiu a um dos colegas, o Mário:
-Enfim, vou encontra minha gata, que está saindo do trabalho.
-Onde ela trabalha? - perguntou Mário.
-Lá pra baixo, perto da Prefeitura.
-Égua, tu vais de a pé daqui  do Reduto até lá? Deve ser um femão, não? -perguntou sorridente Mário.
-Das boas. Ainda não estamos juntos, mas me ajuda muito. Namoramos já há uns dois meses, e quase todo dia pego ela na saída - sussurrou sorrindo Olívio.
Mário foi com Olívio caminhando do bairro do Reduto, da fábrica de beneficiamento de castanha onde trabalhavam, até perto da Prefeitura de Belém. Antes, pararam num bar e tomaram três cerpinhas, que era para dar tempo da garota do amigo sair do trabalho.
-Ela trabalha em loja do comércio, Olívio? -perguntou curioso Mário, já incomodado com o horário, pois já passava das 19 horas.
-Não, não. Calma que ela tá chegando -garantiu um Olívio parecendo já estar vendo sua amada.
Não demorou e Célia apareceu. Sorridente, cabelo soltou e brilhoso, com um sorriso malicioso, deixando Olívio alegre e Mário sem entender o local de onde a moça desceu.
Com uma cara de espanto e sem coragem para nada falar, Mário caminhou com os dois pela 13 de Maio em direção à Presidente Vargas. O amigo de Olívio estava com a cabeça cheia de pensamentos. Por que aquela mulher saiu de um lugar tão estranho? Por que Olívio não me disse onde ela trabalha?
As cerpinhas que os dois tomaram antes de encontrarem Célia deixaram Mário meio atônito, com a língua coçando para fazer muitas perguntas ao amigo.
-Vamos parar aqui para tomar uma Mário? eu pago! - convidou Olívio parecendo que havia recebido o pagamento do mês. -Bora -respondeu Mário, embora estranhando a atitude do amigo, considerado "mão de vaca", daquele tipo que preferia que pagassem pra ele.
Os três sentaram no Bar do Portuga, já perto da Presidente Vargas. Mário, sempre desconfiado do "moral" que Olívio ganhara depois que Célia apareceu.  A gelada rolou solta. Não era mais Cerpinha, mas a de 600ml, da grande. Célia mostrou ser boa de copo, e Olívio nem se fala. Como ele sempre dizia: "beber eu bebo e até amanheço, agora tóxico não é comigo. Mesmo porque, maconha, que a turma vende la no meu bairro vende direto, é tóxico de pobre".
lá pelas 22 horas já tinham uma 11 geladas na mesa. Mário, que morava em Icoaraci, era quem se preocupava mais com a hora. 
Antes da chegada da conta, Mário foi ao banheiro, demorou uns três minutos, e quando ia chegando na mesa, viu Célia dar umas três cédulas de 50 reais para o parceiro Olívio. Arregalou os olhos espantado, mas na hora, ficou calado. Minutos depois,  aproveitou quando Célia foi ao banheiro  para satisfazer toda sua curiosidade para perguntar:
-Ei cara, qual foi essa aí? Vi a gata te dar uma grana. Ela recebeu hoje?
-Que nada, mano. Ela recebe é todos os dias. Temos uma sociedade. Todos os dias ela vai trabalhar a partir das 13 horas e fica até seis, sete horas e com isso garante diariamente uma boa grana. Dividimos e assim somos felizes.
-Mas como ela consegue ganhar tanto dinheiro em tão poucas horas? É comércio?
-Na realidade, não deixa de ser, meu caro. Só que ela é a grande mercadoria. Usa esse corpão que Deus lhe deu todas as tardes lá no Xendengo para faturar pra nós. E eu né, meu caro, parei de me preocupar com meu salário na indústria de castanhas. Nem vale recebo mais, porque tenho grana todos os dias -pavulava-se um Olívio desconhecido para o amigo Mário.
-Poxa, rapaz, mais isso é prostituição, e tu estás explorando a mulher! -quase gritou alarmado Mário, no momento em que Célia chegava do banheiro.
-Calma meninos, o que está havendo? algum problema? por que vocês estão falando tão alto? -perguntou a namorada de Olívio quase sorrindo, pois escutara o final da conversa dos dois amigos.
-Nada. O Mário está estranhando o seu trabalho -respondeu Olívio sorrindo.
-Olha Mário, o Olivinho é meu namorado e meu empresário. Ele que organiza nossa vida, nosso dinheiro. Estamos nos preparando para viver juntos. Ele fazendo o trabalho dele na fábrica de castanha e eu no Xendengo. Nem eu nem ele temos ciúmes. Ele me apanha todos os dias, só não domingo, lá perto do meu trabalho, e saímos tranquilos. Sempre tomamos umas e depois vamos nos amar -disse Célia com ar de muita tranquilidade.
-Égua. Muito estranho! -admirou-se Mário.
-Por que? Meu querido, isso não estraga. Lavou tá novo. E outra coisa: fica bem limpinho, eu cuido bem pra ele -concluiu Célia,jogando todo seu charme para Olívio e Mário.
-E eu nunca como "pão com manteiga" porque tá sempre limpinho, e ela sabe que eu sou exigente, não é nega? -garantiu um Olívio risonho expondo toda sua malandragem ao estupefato amigo Mário.
Mário preferiu sorrir com o canto da boca, se despediu e correu para pegar quase o "Cristo" de Icoaraci.

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