segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

AMOR NA IGREJA

José Luiz é o que pode se chamar de "homem certinho". Nunca bebeu, nunca fumou, não gostava de festa, tinha poucos colegas, sua única diversão sempre foi torcer por seu time, o Paysandu. Do tempo do rádio portátil, Ze Luiz, como todos o chamavam, adorava torcer pelo seu time sozinho, numa rede ou debaixo do pé de açaí na sua querida Igarapé Miri. Poucas vezes veio a Belém, e quando vinha era para resolver algum problema de sua mãezinha, dona Natércia, já idosa e com muitos problemas como Artrose, pressão alta  e diabetes.
Foi seu primo, Adonias, quem o convidou pra vir morar em Belém. Zé Luiz não queria de maneira nenhuma vir pra capital. 
-Rapaz, eu não conheço nada no Belém. Que que eu vu fazer lá? -perguntava sempre ao primo Adonias quando este ia lá em Igarapé Miri, onde a família tinha um sítiozinho e umas plantações de açaí.
-Tô te falando que é legal, rapaz. Já tô em Belém há oito anos, tenho minha casa no Jurunas  e te digo: só quero vir em Igarapé Miri passear -dizia Adonias todo pávulo com o que já havia conseguido na capital.
Foi no começo do ano 2000, depois de tanta insistência do primo, que Zé Luiz veio pra Belém. Como não tinha casa pra morar, ficou mesmo na  casa de Adonias, que era três anos mais velho que ele -25 anos- mas já estava casado e a esposa estava inclusive esperando o primeiro filhinho.
Adonias adorava uma cerveja, mas quando estava com pouco dinheiro, tomava mesmo era uma cachacinha, sem cerimônia. Gostava de beber em casa, pois casado há menos de um ano, era um chamego só com a esposa, Ana Lúcia, uma morena cor de jambo, cinco anos mais nova que ele, muito simpática, sorridente, alegre, apesar de evangélica daquelas que não perdia um culto sábado e domingo numa igreja do bairro.
-Queria que Adonias se convertesse, Zé Luiz. Acho bacana o homem que não bebe. Ele é um homem muito bom, o problema é essa bebida. Às vezes, mano, ele bebe tanto que vai dormir parecendo uma criança. Só acorda no outro dia de tão bêbado  -dizia para o parente, que ouvia tudo calado, pois não queria causar problemas para o primo e amigo que o havia trazido para Belém.
Zé Luiz, através do conhecimento de Adonias, foi trabalhar numa fabrica de palmito, no Jurunas mesmo. Adonias era uma espécie de gerente da fábrica, homem de confiança do dono e conseguiu que Zé Luiz ganhasse logo e início um salário mínimo, que não era lá essas coisas, mas a carteira era assinada e ainda ganhava toda semana umas compotas de palmito picado, que ele como não gostava muito, vendia para uma taberna no bairro.
A medida que crescia a barriga de Ana Lúcia ela mais insistia para o marido Adonias deixar a bebida e se converter. Também insistia muito com o primo dele, Zé Luiz, para entrar na igreja. Só que ele era católico igual à avó e à mãe  e nem gostava de conversar sobre o assunto. Cortou logo a conversa quando a esposa do primo mais uma vez foi assediá-lo para entrar na igreja: -Não dá mana. Minha mãe nunca me perdoaria se deixasse a igreja católica -respondeu pela segunda e última vez, fazendo com que Ana Lúcia não mais insistisse sobre o assunto.
Mas bastou Ana de Nazaré, a filha do casal, nascer, para o coração de Adonias amolecer. Como a esposa parou de ir na igreja evangélica por um período,  pediu para o marido seguir seus passos, fazer sua cobertura como obreira.
-Você tem que cobrir minhas faltas na igreja. Sou uma serva, não posso deixar de frequentar o templo. Vá com o pastor e diga que eu tive neném e procure fazer as obras da igreja. Por favor, amor. Faça isso -implorava Ana Lúcia, ainda de resguardo, ao marido.
E Adonias foi. Falou com o pastor e com mais ou menos uma semana de frequência à igreja, ja virou um fervoroso obreiro. E obreiro daqueles que todos os domingos ía cedo para participar da evangelização e até nos trabalhos mais árduos da igreja.
Zé Luiz a tudo assistia e nada falava. Via o primo transformado: outrora doente por futebol, Paysandu como ele, agora um fanático pela igreja, que discutia até com os antigos amigos da cerveja sobre as vantagens de ser um obreiro.
-Hoje eu estou mais feliz. Estou limpo. Não deixei de torcer pelo Papão, mas pouco me interessa se ele perde ou ganha. Meu compromisso é com a minha igreja -dizia sempre que um amigo lhe cobrava o porquê de haver deixado de beber uma cerveja nos finais de semana.
-Rapaz não faz mal beber uma cerveja, um vinho. isso até ajuda na saúde.
-Tá maluco? Isso é pecado, mano. Eu tô fora! -respondia sempre quando alguém lhe cobrava presença.
A filha de Adonias e Ana Lúcia, a pequena Ana Nazaré, ficava taludinha e seus pais estavam cada vez mais afinados com a igreja. Com quatro meses da filha, Ana Lucia  se preparava para voltar a frequentar a igreja: agora na companhia do marido pretendia ir aos cultos aos sábados e domingos. Adonias, entrara de férias e com o dinheiro que havia recebido ia comprar um novo terno e dar uma boa parte como dízimo para a igreja.
-Por que tu não faz uma reforma nessa casa, Adonias. Eu te ajudo -perguntou Zé Luiz ao primo, mesmo tímidamente.
-Pra que isso, rapaz?  A casa está boa, nós estamos vivendo muito bem aqui. Quem precisa de ajuda é a igreja pra fazer um trabalho melhor com os mais pobres -respondeu Adonias ao primo Zé Luiz.
No domingo, o casal foi para a igreja com a bebê Ana Nazaré. Zé Luiz ficou em casa sozinho. Ouvia uma música no rádio, cozinhava e se preparava para assistir a um jogo de seu time, o Paysandu na televisão.
Por volta das 13 horas os dois voltaram e a comida já estava pronta, preparada por Zé Luiz, que mostrava sempre ser prestativo, quando necessitavam. 
-Poxa Zé você é o máximo. Tenho que te agradecer esse apoio. A partir de amanhã vou fazer uns trabalhos em Mosqueiro, para a igreja, aproveitando este mês de férias. É que um grupo evangelizador está fazendo umas missões pra lá e eu vou ajudar trabalhando. Só volto à noite, mas todos os dias vou estar aqui. Você se quiser poderá vir almoçar aqui em casa. A Ana Lúcia vai ficar aqui e tranquilo dá para você vir em casa ao meio dia.
-Não Adonias. Fico na fábrica. Faço refeição por lá mesmo. Não quero dar esse trabalho pra Ana  -disse Zé Luiz.
Muito cedo, do outro dia, Adonias foi pra Mosqueiro. Tudo por sua conta. Transporte, estada no distrito, alimentação. Queria de qualquer maneira ajudar o pastor Hélio e o pedido da esposa, que queria que ele fosse um obreiro respeitado.
Passou a  primeira semana e já na segunda, Zé Luiz vai um dia tipo 13 horas em casa. Foi pegar um documento. Chegando, não encontrou Ana Lúcia. que segundo a vizinha, havia ido na Igreja ajudar nas obras a pedido do pastor Hélio. Zé Luiz achou estranho tanta dedicação, o marido de um lado, a esposa do outro,  e num horário em que precisava dar maior atenção à filha bebê. Mas como a opção era deles, nada falou. Passou mais de meia hora em casa e Ana Lucia não apareceu.
À noite, preferiu não falar nada para o primo, e notou que Ana Lúcia também não comentara. Para ele era estranho, porque Adonias ficava desde que entrava em casa, falando de como havia sido o dia em Mosqueiro. -Fizemos isso, aquilo, Foi um dia de glória -dizia empolgado o primo fervoroso.
No outro dia, Zé Luiz foi novamente em casa no mesmo horário, 13 horas. Ana Lúcia novamente não se encontrava. Ele preferiu não perguntar nada a vizinha. Tomou banho, trocou de roupa, pois não iria trabalhar à tarde, e se dirigiu para o comércio, onde iria resolver um problema de sua mãe.
No caminho, passou na igreja e viu Ana Lúcia com a bebê nos braços, que saia do templo, conversando com o pastor Helio. Sentiu um clima de muita afinidade entre os dois. O pastor quase encostando seu rosto no da esposa de seu primo. Zé Luiz achou a atitude dos dois muito esquisita, estranha, mas mais uma vez preferiu ficar na sua. Como Ana Lúcia não o havia visto, ele à noite, não falou nada para o primo sobre o que tinha presenciado.
Adonias continuava com sua missão de obreiro em Mosqueiro. Ana Lúcia, segundo uma vizinha comentou com Zé Luiz, todos s dias estava na igreja, na hora do almoço. Era das 12 até perto de 15 horas.
Zé Luiz na verdade ficara encucado com o que havia presenciado. Já existia até comentários sobre Ana Lúcia e o pastor Hélio, homem jovem, na faixa dos 38, 40 anos, alto e com um forte sotaque sulista. Segundo soubera, inclusive pela boca do próprio primo Adonias, pastor Hélio era casado, mas a esposa não estava em Belém. Soube também que enquanto a esposa não chegava, pastor Hélio vivia na igreja, onde também dormia e trabalhava seu rebanho de homens e mulheres. Homens que ele sempre deslocava para missões em Icoaraci ou Mosqueiro, onde a congregação estava também construindo uma igreja; enquanto que as mulheres ele determinava que tinham que cuidar das coisas da igreja do bairro do Jurunas. Ana Lúcia era uma delas, serva fervorosa, ao ponto de sair de sua casa todos os dias para servir à igreja. Zé Luiz já estava segurando a historia há quase 10 dias, período este que coincidia com o trabalho que o primo Adonias fazia em Moqueiro, aproveitando as férias.
Um dia, uma terça feira, Adonias veio para casa mais cedo. Havia faltado um material em Mosqueiro e ele veio para avisar ao padre Hélio para comprar a tempo de chegar no outro cedo no bucólico distrito de Belém.  
Ao chegar em casa, por volta de 12,30h não encontrou a mulher nem a filha. Esperou uns 15 minutos. Como a esposa não chegou,  resolveu perguntar à vizinha, dona Arlete, se ela sabia onde Ana Lúcia tinha ido, se havia deixado algum recado.
-Não sei meu vizinho. Pode ser que ela tenha ido à igreja -disse dona Arlete quase gaguejando, temendo o pior.
-Ok vizinha. Obrigado.  Vou esperar mais um pouco -agradeceu Adonias.
Ana Lúcia só chegou por volta das 14,30h. Adonias, embora impaciente, resolveu não perguntar muito, mesmo porque Ana foi logo dizendo que tinha ido resolver um problema da filha. Mas  com seus botões estranhou muito, principalmente porque a mulher entrou em casa com um tipo de marmita térmica em uma sacola.
-Que houve homem, não estavas em Mosqueiro? -perguntou Ana Lúcia. 
-Faltou material. Tive que vir pra avisar ao pastor. Vou até lá com ele.
À noite, Adonias contou para o primo Zé Luiz o acontecido. Estava tenso, não conseguiu segurar. Zé Luiz não falou nada do que sabia ou pelo menos suspeitava. Não tinha essa índole de dedurar ninguém. Mas ficou com uma certa pena do primo. Imaginava que Adonias estava passando por um problema muito sério.
A verdade é que Adonias ficou muito desconfiado. Porém, mesmo assim, no outro dia foi cedo para Mosqueiro. A cabeça era um zumbido só. Por que a mulher tinha chegado tão tarde e com uma marmita? Para quem ele levara aquela comida?  As perguntas se multiplicavam. Sua cabeça girava. mas preferiu dar tempo ao tempo.
Continuou por mais dois dias indo cedo para Mosqueiro. Depois de muita insônia e dor de cabeça, decidiu que na sexta feira não iria
Foi na fábrica pegar um restante do dinheiro das férias. Conversou com o pessoal e pouco mais de meio dia foi para casa. Convidou o primo Zé Luiz para ir com ele, tendo o mesmo aceitado. Não foram pra casa. Rumaram direto para a igreja.  Lá chegando, viu a igreja fechada, então foi pelo lado e notou a porta da igreja do quarto que o pastor dormia levemente encostada. Na companhia do primo, empurrou e a cena que presenciou nunca mais sairia de sua cabeça. Pastor Hélio estava completamente despido e Ana Lúcia sem calcinha e tirando o sutiã. Adonias avançou para cima do pastor, que correu despido com a calça na mão, fugindo pela porta dos fundos, pegando seu carro e desaparecendo desesperado. Zé Luiz tentava acalmar o primo, mas este enlouquecido peguntava à esposa o que significava aquilo.
Ana Lúcia só chorava, enquanto a pequena Ana Nazaré, parecendo entender tudo que acontecia, também abriu o berreiro. Zé Luiz conseguiu acalmar e sentar o primo. Ana Lúcia, em prantos só dizia que não sabia o que havia acontecido. 
-Não era eu. Algo se apossou de mim. Do meu corpo. Meu Deus me ajude! -gritava desesperada e aos prantos a mulher de Adonias.
-Conversa é essa, Ana. Você me traindo com esse pastor safado. E eu me matando por essa igreja e por esse bandido em Mosqueiro! -gritava nervoso Adonias.
-Não fale assim de mim. Você bem sabe que se tenho culpa, você também tem -respondia Ana Lúcia.
O casal saiu da igreja em silêncio quase sepulcral, graças aos esforços de Zé Luiz, que pediu que Ana tentasse acalentar a filha, que chorava desesperadamente. Ana Lúcia com muita luta conseguiu acalmar a filha e seguir para casa.
Os primos tomaram outro rumo. Foram para um bar. Adonias, que havia praticamente abandonado a bebida, só tomando vez por outra um vinho, nesse dia encheu a cara. Tomou todas. Zé Luiz, que não bebia, nesse dia companhou o primo na cerveja. Os dois choraram e lamentaram a situação do casal e principalmente da criança Ana Nazaré.
Chegaram em casa, Ana não estava. Segundo a vizinha, dona Arlete, ela arrumara uma mala e havia saído.  Mas deixara um  bilhete de poucas linhas.
" Estou indo embora. Pra mim basta. Fiz o possível para ficar a seu lado. Mas o amor que sinto pelo Hélio foi mais forte e venceu. Não se preocupe com nossa filha. Vai ser bem cuidada e breve darei notícias". Ana Lúcia.

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