quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

CONVERSA DE BOTEQUIM

Os quatro amigos se encontravam sempre às quartas feira para iniciarem os trabalhos etílicos do final de semana. Era um hábito que já tinha pelo menos oito anos. Formavam um grupo ideal, com discussões que iam de musica para futebol, passando pela política e chegando até à família, já que dos quatro, três eram casados e tinham filhos na adolescência. Victor, o mais jovem, 32 anos, tinha saído da Universidade há três anos, onde quase jubila, mas enfim concluíra o curso de sociologia. Era poeta e metido a escritor. Estava sem trabalho e politicamente sempre tinha uma posição bem avançada, quase radical e sempre batia na tecla de que só as reclamações e choradeiras não eram suficientes para mudar. Achava que tinham que lutar mais, ir pras ruas. Torcedor de Tuna e Vasco, se achava um bom entendedor de futebol, mas era sempre o mais gozado, porque seu time, dos três grandes do Pará, era tido como o terceiro, o mais sofrido e o que tinha menos títulos.
Samuel, o Samuca, era o assumido comunista do grupo. Advogado, sem escritório próprio, usava o escritório de um colega. Prestava serviço como contratado a dois sindicatos de trabalhadores rurais no interior, e de uma associação de pescadores. Contra tudo e contra todos, era outro crítico do sistema. Vindo do heroico PCB, estava sem partido, não sabia se se filiava ao PT ou atendia apelo de alguns amigos que resolveram aderir ao PC do B.
Gildo era indeciso politicamente. Dizia que foi do MR8 nas décadas de 70, 80, mas na verdade não estava filiado, aliás nunca se filiara a partidos. Se autoproclamava de esquerda, mas nunca assumiu ser um militante comunista. Preferia evitar, segundo ele, a pecha. Mas nas greves da categoria -era professor do ensino médio- estava sempre presente e era um dos que mais agitavam.
Geraldo era o mais calmo. Só falava o necessário e tinha passado mais de um mês sem se reunir com os amigos. Um problema sério de coluna o afastara um período do grupo e até do trabalho da agência onde trabalhava como corretor de automóveis.
Samuca era sempre quem puxava as discussões. Polêmico, gostava de exercitar sua veia de homem de esquerda, daqueles que viam erros em todos os setores. Elogio era uma palavra fora de seu dicionário.
-É impossível viver em um país e em um estado onde sempre quem manda é a direita. Sinceramente, como já joguei a toalha em termos de credibilidade nesse país. Em meu estado é até pior. Aqui não acontece nada de novo. Essa direita podre não muda. principalmente em termos de direitos de trabalhador -reclamava Samuel, que aos 43 anos já tinha feito dois concursos públicos, passado nos dois mas nunca fora chamado. Alegava que era sua ficha "de comunista" que não deixava nada fluir em seu favor.
-Eu concordo plenamente com você, porque a verdade é que esses caras não olham nem pelos servidores públicos, quanto mais para trabalhadores comuns. Queria que eles tivessem a hombridade de pelo menos dar aumentos corretos para os servidores estaduais e municipais; pagassem o piso dos professores, por exemplo, que trabalham com educação, necessidade fundamental para todo ser humano, e que aqui ganham uma miséria - concordava reclamando Gildo, professor do ensino médio, com 15 anos de magistério e ainda pagando aluguel.
E continuou: -Se minha mulher ganhasse um pouquinho mais e eu recebesse o piso salarial nacional de professores, nossa vida era bem melhor, meu camarada -garantiu.
-Égua, vocês reclamam pra caramba. Que dirá eu, que no momento estou vivendo praticamente ás custas do que ganha minha mulher?  E tenho que dar graças a Deus, porque moramos numa casa que ela ganhou do pai.  Se não fosse isso, a bronca era mais feia -reclamou Geraldo, o mais pacato dos quatro amigos.
Geraldo estava encostado de benefício, com problemas sérios de coluna. Na concessionária de veículos onde trabalhava, estava ameaçado de ser despedido, o que o deixaria ainda em pior sua situação, pois ganhava um pequeno salário  mais a comissão nas vendas, Como não estava vendendo, o salário só dava para pagar a luz, o IPTU e comprar pequenas coisas de casa. O grosso mesmo era sua esposa que punha em casa.
-Eu quero é ver é a merda feder. Amigos, se o povo não se movimentar, acho que isso aqui vai voltar a ser uma ditadura, como em passado recente. Nunca vi um governo pensar nos mais pobres. Tenho pouco mais de 30 anos e sinceramente como não vejo perspectiva neste país. Tu já pensou aqui no Pará? Só dá PMDB ou tucano. Não muda essa história nunca. E no Brasil é tucano e tucano. Esse boca de suvaco do FHC que se dizia de esquerda é um falso. Está aí governando só pra rico, quer privatizar tudo e lascar ainda mais a todos nós. Gosta de posar de estadista, mas não passa de um vendilhão das riquezas nacionais. Vocês vão ver. Vai terminar conseguindo vender a Petrobras, como fez com a Vale, com a Companhia Siderúrgica Nacional e outras grandes empresas. Não tem compromisso com nada. Só com o bolso dele e dos seus -reclamava Victor, destilando todo o seu rancor nos gestores da nação e do Pará.
A cerveja rolava e o papo fluia normalmente. Já eram quase 23 horas. 
-Hoje eu tô afim mesmo é de dançar. Sair daqui, já que vocês são todos enrolados, eu vou pro Palácio dos bares, pegar uma gata e desfrutar do amor -mudou de assunto Victor.
-Ok. Tu és solteiro mas te lembra que tu tens filho. Cuidado com a Naza. Ela me disse que tu nem vais ver o garoto, espertão -sapecou Samuca sorrindo para o jovem Victor.
-Rapaz, eu até que assumo. Mas não posso fazer muita coisa agora não, né? Estou fazendo um estágio,  e o que recebo não dá nem pra gelada. Mas tô ligado. Assim que as coisas se ajeitarem - o que não acredito muito agora! -vou dar a pensão do garoto. Só não quero mesmo é papo com ela. Perturba muito. É estressada demais -rebateu Victor, decepcionado com sua própria situação.
Por volta das 23,30h os colegas se despediram. Marcaram para se encontrarem no sábado, na pelada, que na verdade era mais um pretexto que sempre encontravam para tomarem mais umas geladas e baterem o saudável papo. 

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