terça-feira, 12 de julho de 2011

Crônica da Cidade Amada

Semana que passou o cronista Paulo Marajaig não nos enviou sua crônica. Mas nesta semana  Marajaig antecipou-se e mandou material que publicamos abaixo.

ATRÁS DO PAVULAGEM

Zulmira e Neide, são amigas desde muito tempo. Não revelam a idade, mas já estão na faixa dos vinte e muitos anos ou na casa dos 30. Estudaram juntas no Justo Chermont e no Benjamin Constant. Zulmira namorou muito, mas não chegou a casar. Já Neide, só com um namorou seis anos, casou teve dois filhos, um casal, mas hoje está só.
-Sim, Neide, tú vais ou não amanhã para a Praça da República?
-Claro, mana, o Pavulagem eu não posso perder. Tudo, menos perder o meu gorducho preferido- respondeu Neide, referindo-se ao compositor e cantor  Ronaldo Silva, do Arraial do Pavulagem.
E foram, cedo, as duas amigas para o Arraial do Pavulagem. Primeiro tomaram um tacacá na Barraca da Flora, amiga de Zulmira. Lá pelas 10 apareceram Júnior Soares e Ronaldo Silva, do Pavulagem. Chegaram e logo foram cercados pelos muitos fãs que já se habituaram a seguir o grupo de boi pelas ruas de Belém.
Sol incandescente, mais ou menos meio dia, as duas, Zulmira e Neide, com suas latinhas de  cerveja, chapéu do Pavulagem a cantar pelas ruas da cidade. O Bloco já tinha percorrido parte da Cidade Velha e a cada esquina aumentava o número de pessoas. 
O Arraial do Pavulagem é de uma força cultural e de uma beleza fantásticas. Os músicos têm um perfeito comando e entrosamento com o pessoal que os segue numa peregrinação pelas principais ruas de Belém, tal qual acontece com os trios elétricos baianos pelas ruas de Salvador.
Lá pelas 14 horas as duas já tinham consumido pelo menos oito latinhas cada. O calor e a fome iam tomando conta das amigas, sendo que Zulmira era quem mais chiava.
-Égua, quando a gente chegou não tinha nem 100 pessoas, agora deve ter pelo menos duas mil- reclamou Zulmira.
-Sinceramente! E eu vou te contar, a cada dia aparece uns tipos estranhos- concordou Neide. 
-Pois é, antes era mais tranquilo, agora está cheio de gente mal encarada, credo!- lamentou Zulmira
-Olha aquele caminhão alí, tá cheio de "bonecas", parece até parada gay!- apontou Neide
-Peraí, mana, não é assim. Deixa os caras. Eles curtem, problema  deles. Eu não tô nem aí, só não quero que ninguém venha tirar onda comigo. Se vierem mexer com minha beleza, o bicho vai pegar- disse uma Zulmira decidida a parar a discussão.
Neide contou a grana que tinha e viu que só tinha 5,50. Zulmira  fez o mesmo e encontrou 12 reais. Resolveram que iam comer um caruru, acompanhado de cerveja.
Depois da refeição, as duas caminharam se  dispersando um pouco da multidão, quando um garoto de mais ou menos 13 anos, num gesto rápido, puxou a bolsa de Zulmira. O moleque correu e as duas foram atrás gritando "pega o ladrão".
O garoto só parou no fim do quarteirão, depois que um homem bastante forte deu-lhe uma trombada, ljogando-o ao solo. Segurando a bolsa de Zulmira, o moleque com os olhos esbugalhados gritou: "Não me bate".
Bastante cansadas, as duas pararam de frente para o garoto. Neide quis avançar e dar-lhe uns tapas, mas Zulmira impediu a ação da amiga e observando o garoto de perto reconheceu como o filho de sua prima, Nádia, que havia separado do marido há três meses, e estava morando  Peritoró, no Maranhão, com a irmã.
Chegou mais  perto do garoto, que a reconheceu, e chorando o abraçou. Josivaldo, o menor,  também foi às lágrimas.
Na mesma hora a brincadeira das duas amigas acabou. Os populares que presenciaram a cena não entenderam nada. Com o garoto abraçado e aos prantos, Zulmira seguiu com a amiga Neide sem olhar para trás. No meio do quarteirão, pararam um táxi e foram embora.

Paulo Marajaig

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