quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Os Estatutos do Homem

Thiago de Mello é um dos mais respeitados poetas brasileiros. Amazonense de Barreirinhas, Thiago é reconhecido internacionalmente como um dos granes ícones da poesia regional, sempre cantando a Amazônia e seu povo. Escreveu o poema "Estatutos do Homem", considerado um dos 10 mais famosos do mundo, num momento de grande sensibilidade e no belo texto defende a paz, a liberdade e os direitos humanos. O poema foi escrito na efervescência do regime militar, de quem sempre Thiago foi um grande crítico.
Thiago de Mello foi obrigado a deixar o Brasil no período da ditadura, tendo morado em vários países da América Latina como Argentina e Chile, onde  tornou-se grande amigo do também poeta Pablo Neruda ("Confesso que vivi"), tendo sido tradutor da obra de Neruda e o chileno de sua obra.  Thiago morou também na Alemanha, França e Portugal.
Thiago de Mello hoje aos 85 anos mora em sua cidade natal, Barreirinhas, no Amazonas, para onde decidiu retornar quando voltou do exílio. É pai do artista plástico, ator e compositor Alexandre Manuel Thiago de Mello, o Manduka, que foi autor de grandes sucessos de nossa música como a belíssima "Quem me levará sou eu", com Dominguinhos. Manduka faleceu em 2004, aos 52 anos. Leia abaixo o poema "Estatutos do Homem", do poeta Thiago de Mello:
 
O poeta Thiago de Mello
Estatutos do Homem

Art.1. Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida
e que de mãos dadas
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Art.2. Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de Domingo.

Art.3 . Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Art.4. Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Par. único: O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Art.5. Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura das palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Art.6. Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto da aurora.

Art.7. Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Art.8. Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que da a planta o milagre da flor.

Art.9. Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre
o quente sabor de ternura.

Art.10. Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida
o uso do traje branco.

Art.11. Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Art.12. Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
Tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Par. único: Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Art.13. Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará
em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Art. Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano do engano das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

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