quinta-feira, 16 de junho de 2011

Crônica da Cidade Amada

 O HIPPIE

Foi em 1985, que Rodrigo, um jovem marajoara, decidiu levar a vida cigana como Hippie. Na praia da Mangabeira, em Ponta de Pedras, conheceu um casal goiano, artesãos de bronze e arame, que num papo que terminou lá pelas cinco da manhã, convenceu o jovem, na época com 19 anos, a vir de mala e cuia para Belém e depois sair por aí mundo afora sem lenço e sem documento.
Rodrigo nunca mais deu notícias. Correu trecho, como costumam falar os adeptos da filosofia hippie, surgida nos anos 60, primeiro em protesto à guerra do Vietnã e depois como modo libertário de vida: sem guerra, sem violência, com amor livre, contra a burguesia, abominando os costumes que nos acostumamos a achar normais.
O hippie chegou a "morar" em Goiânia, Ceres, Goiás Velho. Depois foi para uma comunidade hippie em Pirenópolis, no Estado de Goiás, em que não existia energia elétrica, a iluminação era toda natural. Comia o que ele e os amigos da comunidade plantavam. Arranjou uma companheira, separou, meteu-se com outra e, na base do "está tudo bem", do amor e do sexo livre  foi tocando a vida.
Rodrigo ainda passou uma boa temporada na Chapada dos Guimarães,  no Mato Grosso, na Ilha de Itaparica e na Praia de Arembepe, na Bahia. Aprendeu a fazer belos trabalhos artesanais, curtiu avida como quis e pode. 
Hoje o hippie Rodrigo está em Belém. Segundo ele, já está com mais de dois anos que não sai da capital paraense para outro Estado.
-Aqui estou perto da minha terra. Curto muito meus amigos daqui. A rapaziada é boa.Me sinto mais em casa- diz sempre que fala de sua vida.
Trabalha todos os dias nas calçadas vendendo seus produtos. Quando chega  noite sai com um mostruário de artesanato pelos bares da vida. Quando não consegue vender pede a um e a outro um gole de cerveja, 1 real, e por aí vai.
Contra todos as políticas e os políticos, sem documentos, sem residência fixa, Rodrigo não se acha um perigo para ninguém.
-Nunca matei ninguém, não ando armado, não tenho documentos e nem preciso, pois não tenho conta nem voto em ninguém- fala com um pouco de revolta. 
O hippie hoje está meio maduro. Aos 45 anos, meio careca, com a barba relaxada, o cabelo longo, mal cuidado e esbranquiçado, o ex-jovem marajoara passa a maior parte de seu tempo na Praça da República, onde divide, à noite, um lençol surrado com uma amiga mais ou menos de sua idade, também artesã.
Há  mais ou menos duas semanas foi surpreendido com a notícia de um amigo seu, que disse viu uma senhora sua com sua foto, antiga, na televisão, num programa onde pessoas procuram parentes desaparecidos. Rodrigo interessou-se  e na semana seguinte foi ver ao vivo o programa. Não falou nada para ninguém. Ao final do programa procurou a senhora que estava com o cartaz com seu nome e seu retrato. Era sua tia, que emocionada em ver o estado de Rodrigo, mas feliz pelo reencontro, quase desmaiou.

Paulo Marajaig

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