Norma hoje: diz que quer voltar a filmar... |
Norma Bengel foi uma das grandes homenageadas do Festival de Cinema Brasileiro. Aos
75 anos, viúva e sem filhos Norma é sempre simpática e mesmo com a idade avançada ainda guarda os traços da sensualidade que a fizeram, além de uma das mulheres mais desejadas do Brasil, estrela de mais de 50 filmes, entre brasileiros, italianos e franceses. Um destes filmes, o premiado "O Pagador de Promessas", dirigido por Anselmo Duarte e ganhador da Palma de Ouro, em Cannes. A homenagem à Norma Bengel é por demais justa.
...Capa de O Cruzeiro e em cena de "Os cafajestes" |
Atriz, diretora, cantora e compositora, Norma hoje está numa cadeira de rodas, resultado de uma queda que lhe gerou problemas na coluna. Ela tem uma grande trajetória na história do Cinema Novo. Trabalhou cm os principais cineastas e diretores de cinema do País, de Glauber Rocha a Ruy Guerra. Além de atriz de cinema, teatro e televisão, Norma sempre esteve presente nos movimentos políticos, onde teve papel fundamental como mulher de luta.
O último papel de Norma, que vai fazer 76 anos, foi na televisão, como a personagem
Deise Coturno no humorístico "Toma lá, dá cá", da TV Globo, encerrado em
Dezembro de 2009. Pouco depois, ela escorregou num tapete de casa,
sofreu um tombo e precisou operar a coluna e o cotovelo. Dali em diante,
a atriz só deixou sua casa para ir ao hospital e para dar entrada no
pedido de aposentadoria, que ainda não saiu. Passa semanas sem sair de casa e sem uma fonte de renda regular há mais de um ano, a atriz diz que quer voltar a filmar.
Norma também não
recebeu a pensão de anistia do governo, que requereu por ter sido presa
durante o regime militar: o valor seria de R$ 2,7 mil mensais, mais uma
indenização retroativa de R$ 254,4 mil. Na última semana, um perito
médico examinou a atriz e disse que o dinheiro pode sair em 60 dias.
Norma teve suas contas bancárias e bens bloqueados depois da
polêmica envolvendo o filme "O guarani" (1996), dirigido e produzido por
ela. Na época, o Ministério da Cultura e o Tribunal de Contas da União
encontraram irregularidades nas notas de prestação de contas do longa.
Norma recebeu críticas de todos os lados. E processos. Os criminais
foram arquivados. Outros dois - tributários - aguardam decisão. Enquanto
isso, além dos bens bloqueados, ela está impedida de assinar projetos
como produtora.
- Publicaram que eu não tinha feito filme algum, que tinha
comprado uma cobertura com o dinheiro. Mas o filme estava pronto, passou
na TV para milhões de espectadores - ela diz.
Hoje, o maior problema da atriz-diretora-produtora são as
dívidas. Com o plano de saúde, já são R$ 3 mil, e o serviço deve ser
cancelado este mês. Ela também não consegue mais pagar o fisioterapeuta,
as contas do cartão de crédito, um empréstimo bancário, o salário de
Vilma, sua empregada, e nem o aluguel da cadeira de rodas, a R$ 150 mensais. Norma já
vendeu jóias e quadros, e os amigos consideram levá-la para o Retiro dos
Artistas, em Jacarepaguá.
- Não vou. Não quero sair daqui. Moro nesta casa há quase dez
anos - diz. - Algumas pessoas estão me ajudando, mas o que eu preciso é
de patrocínio para rodar meu filme. Tenho um projeto de um
média-metragem sobre o J. Carlos, o cartunista, que o Silvio Tendler vai
produzir. Eu consigo dirigir da cadeira de rodas, só preciso de alguém
que apoie.
O desejo é compreensível. Durante muito tempo, Norma disputou com
Odete Lara o título informal de musa do cinema nacional. Depois de
fazer sucesso como vedete nos espetáculos de Carlos Machado, sua estreia
nas telas aconteceu em 1959, quando contracenou com Oscarito na
chanchada "O homem do Sputnik", de Carlos Manga. No mesmo ano, ela levou
para as lojas o disco "Ooooooh! Norma", em que aparecia lindamente
seminua na capa, num projeto de César Villela, e surpreendia a todos
cantando bossa nova, ainda nos primórdios do gênero.
Mas os dois trabalhos fundamentais para sua carreira só foram
lançados em 1962. Primeiro, a atriz escandalizou a conservadora
sociedade brasileira ao protagonizar o primeiro nu frontal da história
do cinema brasileiro, em "Os cafajestes", de Ruy Guerra, em que atuava
ao lado de Jece Valadão e Daniel Filho. Em seguida, foi a vez de
interpretar a prostituta Marli em "O pagador de promessas", de Anselmo
Duarte, o primeiro e até hoje único longa-metragem brasileiro a receber
uma Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Dali, ela foi morar na Itália, casou-se com o ator Gabrielle
Tinti, já falecido, e despontou para o estrelato, com filmes no Brasil e
na Europa. Por aqui, foi dirigida por Domingos Oliveira, Julio
Bressane, Rogério Sganzerla, Antônio Calmon, Walter Hugo Khouri, Paulo
César Saraceni, Glauber Rocha, Neville D'Almeida e Paulo Thiago.
- Aquela cena dos "Cafajestes" deu muito o que falar. A TFP (a
organização Tradição, Família e Propriedade) mandou tirar meu nome de
todos os cartazes e organizou uma passeata contra mim. Disseram que, se
eu fosse a Belo Horizonte, iria morrer a paulada - lembra. - Eu nunca
tinha ficado nua assim. O Ruy Guerra falou para eu entrar na água, e eu
tirei o maiô dentro do mar. Aí ele botou a câmera atrás de um jipe,
disse "corre", e eu saí correndo pela praia. Foi feito uma vez só.
Hoje, a rotina de Norma é reduzida à fisioterapia -a fisioterapeuta continua atendendo mesmo sem receber
há dois meses -, a assistir a programas na TV e à internet. Norma
acorda cedo, por volta das 6h30m, e só consegue se locomover na cadeira
de rodas e com auxílio de alguém. Seus ambientes se limitam ao quarto, à
sala e ao escritório, onde responde a e-mails e lê notícias na rede.
Fuma bastante. Já tentou parar, mas nunca conseguiu. E vive cercada de
prêmios, fotos antigas e cartazes de filmes.
Ao contar suas histórias, Norma às vezes ri ("o Anselmo Duarte
era tão engraçado", diz), em alguns momentos olha para o alto ("Ah, eu
briguei com o Glauber no 'Idade da Terra'"), e muitas vezes chora. O
choro é de quem gostaria de voltar a exercer seu ofício mais uma vez,
mais de 50 anos após o início de uma muita bem-sucedida carreira
artística.
- Eu não sou saudosista, vivo muito o presente, não sinto falta
daquele tempo. Mas sinto falta de atuar.
Quando a luz acende, a gente se
sente outra pessoa. É lindo - afirma. - E também sinto falta do mar. Eu
gostava de nadar, de sentir aquele cheiro de sal. Mas eu acho que tudo
vai melhorar. Se eu não achar, eu morro. Norma Bengel é uma mulher emotiva. Uma atriz que em mais de 50 anos de carreira sempre mostrou talento e competência. Se não fez fortuna, é natural. Se fez e gastou, não merece críticas. Artista -costumo sempre dizer- é um ser diferenciado. Merece, pelo que faz e fez, o respeito dos que amama a arte.
Além de Norma Bengel o Festival de Cinema Brasileiro homenageou o casal Luis Carlos Barreto e Lucy, indiscutivelmente dois grandes baluartes do Cinema Brasileiro.
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